Atualmente o assunto BR-163 hegemoniza o debate nas universidades locais e nacionais, e internacionais, quando se trata sobre a Amazônia. Discussão que envolve ainda associações de trabalhadores, ambientalistas, setores da economia nacional, internacional, governos federal e estaduais. No centro da questão a tentativa de construção de um referencial de organização do território. Na fauna de atores sociais que disputam uso da terra e recursos naturais constam: sojeiros, madeireiros, garimpeiros, populações indígenas, extrativistas, pecuaristas, agricultores, mineradoras, etc.
Grilagem de terras, exploração ilegal de madeira, elevado índice de trabalhadores em condições de escravidão, execuções de trabalhadores rurais e seus apoiadores ajudam a compor a aquarela da região. Entre os dias 19 e 20 de setembro, ainda no ano de 2005, a Universidade Federal do Pará (UFPA), através do Núcleo de Altos Amazônicos (NAEA), em parceira com a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA - antiga SUDAM), Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), entre outros, debateram o processo de Zoneamento Econômico Ecológico (ZEE), encaminhado pelo governo federal em parceria com os estados do Amazonas, Pará e Mato Grosso. Na ocasião a obra dividida em quatro volumes, de autoria do pesquisador Jean Hébette, denominada “Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia”, que examina o processo desde a década de 1970, abriu o debate sobre o processo de ocupação na Amazônia.
Inspirado numa perspectiva desenvolvimentista e na busca incessante do superávit primário, o governo federal visa a semear e colaborar para a melhoria de obras de infra. Na lógica de transporte multi-modal (rodovias, hidrovias, ferrovias), em seu Plano Plurianual (PPA), a BR-163 volta à pauta como uma prioridade de melhorar a circulação da produção de grãos, que se avoluma no centro-oeste do país. No celeiro dos interessados verifica-se além das multis, o rei da soja e também governador do Mato Grosso, Blairo Maggi (ex-PPS). O empreendimento inaugurará a mistura do tempero entre o público e o privado, na burocracia estatal batizado de PPP (Parceria Público Privado).
Se a oportunidade econômica faz brilhar cifrões nos olhos dos produtores de grãos, o contrário ocorre nas populações nativas (índios, extrativistas, trabalhadores rurais, ribeirinhos, etc). Nas linhas dos planejadores, e dos ditos investidores, são sempre elevados à categoria de problema ao desenvolvimento. Alvo da coerção pública e privada. Como a registrada na reserva Raposa do Sol, Roraima, com a ataque de 150 pistoleiros armados. Se a possibilidade econômica revela-se excelente, alarmante os impactos sociais e ambientais se desnudam.
Experiências pretéritas contabilizam os passivos sociais e ambientais aos montes. Quase que inquestionáveis. A defesa do projeto é escudado num tal de desenvolvimento sustentável, ainda que não se discuta o paradoxo de tal tese, coadunar desenvolvimento baseado em uso intensivo de recursos naturais; e sustentável, ancorado em algo que exorta o socialmente justo, economicamente viável e ambientalmente zeloso. Como efetivar tal proposta numa democracia marcada pelo aleijão da concentração de terra e renda, em rincões onde a diferença não é reconhecida, onde o poder econômico e político imperam, em detrimento de qualquer parâmetro legal?
A produção de grãos pesa na balança comercial (estimada em 50%), ainda que os números das dívidas dos produtores sejam omitidos pelos principais meios de comunicação, que no caminho oposto esmeram-se na demonização do movimento camponês. Além da festejada produção de soja, que põe abaixo milhares de hectares da floresta amazônica e do cerrado, biomas que marcam a região, a paisagem é hoje a principal área de exploração ilegal de madeira, grilagens de terras e violência contra camponeses e seus apoiadores, como a irmã Dorothy, executada em fevereiro de 2005.
Tal violência contra camponeses e seus apoiadores e assessores deu o primeiro sinal com a morte do sindicalista Ademir Federecci (Dema), 36, executado na região de Altamira/PA, no ano de 2001, quando denunciava o processo de exploração ilegal de madeira, corrupção nos processo de financiamento da extinta Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e grilagens de terras. Em seguida teve a execução do dirigente sindical Bartolomeu Morais da Silva (o Brasília), morto por 21 tiros após sessão de tortura, ironicamente numa comunidade batizada de Castelo dos Sonhos. Já no ano de 2003, uma chacina envolvendo seis trabalhadores rurais e um médio produtor denuncia o deslocamento do morticínio do sul e sudeste do Pará rumo sudoeste do estado.
Rogério Almeida é autor do livro Araguaia-Tocantins: fios de uma história camponesa/2006. Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), e colaborador da rede Fórum Carajás: www.forumcarajas.org.br
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