21 novembro 2005

INSTITUTO AMAZÔNIA SOLIDÁRIA E SUSTENTÁVEL

A derrocada do stalinismo e a situação de hegemonia dos Estados Unidos abriram grandes possibilidades para o desenvolvimento e luta por uma nova concepção de sociedade, concepção esta pautada em valores totalmente diferenciados dos atualmente impostos pelo sistema capitalista, onde o individualismo, o egoísmo e o lucro são prioritários, o que tem levado a um total embrutecimento dos seres humanos, ou seja, a sua desumanização.
Nesse contexto, várias organizações e movimentos sociais e populares vêm discutindo e construindo as bases para a consolidação desta outra concepção, incluído neste debate questões econômicas, sociais, ambientais, culturais e políticas, consolidando um conjunto de idéias e valores diferenciados, inserindo princípios como solidariedade, respeito à diversidade, cooperação, justiça social, igualdade e fraternidade.
Participando deste processo, o Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (AMAS) tem a seguinte missão: intervir na sociedade, pautando-se na democracia popular, na geração de conhecimentos e no desenvolvimento local sustentável, com uma perspectiva de transformação nas relações econômicas, ambientais, sociais, políticas e culturais, integradamente, almejando-as justas e igualitárias.
Nossos princípios são: atuar pautando-se na autogestão política, administrativa e financeira; ter compromisso com o coletivo, tendo como referência a unidade, a confiança, a disciplina, a solidariedade e respeito entre seus membros; atuar pautando-se no conhecimento científico e no saber popular; respeitar a autonomia das organizações parceiras; respeitar os direitos humanos, combatendo todas as formas de discriminação social, cultural, racial, de gênero e de orientação sexual, política e religiosa; respeitar a autonomia e a independência econômica, político-partidária e religiosa, tendo compromisso com o fortalecimento da cidadania e com a conquista e expansão da democracia na sociedade, de caráter popular e participativa; ter compromisso com a construção de relações solidárias e fraternas no seio da sociedade, numa perspectiva ética, humanitária e libertadora.
Nossos objetivos são: a realização de estudos e pesquisas científicas e tecnológicas; o desenvolvimento de planos, programas e projetos sociais, econômicas e ambientais tendo como foco principal o desenvolvimento da Região Amazônica; a participação em processos de discussão e/ou indicação de políticas públicas relevantes à sociedade; e a contribuição na formação e/ou capacitação dos diversos segmentos sociais, almejando formas democráticas e participativas de desenvolvimento.
Quanto ao estabelecimento de parcerias, quer nacionais ou internacionais, com organismos ou entidades públicas ou privadas, estas não implicarão na subordinação ou vinculação do Instituto AMAS a compromissos e interesses conflitantes com sua missão e princípios.
Dentre os potenciais parceiros do Instituto AMAS pode-se relacionar: Organizações governamentais; Organizações não-governamentais; Entidades comunitárias; Empreendimentos solidários; Entidades de classe; Movimentos sociais e populares; Empresas; Partidos políticos.

Nosso endereço eletrônico:
institutoamas@yahoo.com.br

PARA PENSAR A ECONOMIA SOLIDÁRIA

Dion Márcio Carvaló Monteiro*

O elevado índice de desemprego causado, entre outros fatores, pela nova situação tecnológica mundial, representando o desemprego estrutural, vai levar à necessidade de uma organização dos trabalhadores em outras bases produtivas e de gestão, buscando, a partir deste momento, criar seus próprios mecanismos de cooperação e desenvolvendo ações que gerem alternativas de trabalho e renda.

O paradigma da economia solidária vai procurar mostrar que, a partir de relações sociais coletivas, unindo as diversas concepções e saberes da sociedade, sem desconsiderar contudo a existência das compreensões individuais, pode-se implementar mecanismos de geração de renda e apoio mútuo, garantindo-se assim conquistas que os grupos economicamente menos favorecidos não conseguiriam obter caso atuassem de forma isolada.

A concepção de economia solidária pensada é aquela que ultrapassa os limites do economicismo, indo além da questão do mercado de trabalho. Assim, compreende-se uma socioeconomia solidária, onde os princípios de solidariedade na sociedade devem ser vinculados a uma vontade determinada e consistente por parte de cada uma das pessoas no sentido de que se garanta uma unidade coletiva, tanto no que diz respeito as questões econômicas, como no que se refere as questões sociais.

Orgânica e planejadamente trabalhados, os empreendimentos autogestionários têm a possibilidade de garantir metas traçadas, isto a partir do desenvolvimento de atividades em que predomine a ação compartilhada, de uma forma onde cada segmento funcione como uma engrenagem no processo de produção e cooperação. Desta maneira, cada uma das partes continua com a mesma autonomia que possuía antes, porém, seus objetivos precípuos são a garantia do funcionamento coletivo.
Aqueles que vão compreender a necessidade de trabalhar de forma conjunta, aproveitando as experiências e conhecimentos adquiridos pelos trabalhadores, passam a implementar ações nesta perspectiva, tomando como base diversas formas de organização. Entre estas modalidades estão as cooperativas e associações, empreendimentos específicos que possuem regulamentação própria e apresentam uma série de diferenças legais quando comparados com outras iniciativas.

Compreende-se que as próprias contradições existentes no modo de produção dominante, levando às crises cíclicas deste sistema, vão também oportunizar o surgimento de organizações pautadas por novos princípios, diferenciados daqueles que servem como parâmetros no capitalismo (SINGER, 2002). Nesta outra concepção fatores sócio-econômicos e ambientais serão considerados como precípuos na definição dos rumos que estes empreendimentos e seus participantes irão tomar.

Estas referidas contradições terão suas avaliações aprofundadas por CATTANI (2003), afirmando este autor que o modelo capitalista apresenta três principais obstáculos, sendo estes: (1) Alienação e espoliação coletiva dos trabalhadores, que ficam sujeitos a ritmos de produção crescentes em busca de uma acumulação cada vez mais intensa; (2) Concentração da renda e da riqueza, em um processo de incrementação das desigualdades sócio-econômicas e (3) Verifica-se um padrão de uso dos recursos naturais totalmente insustentável, causando grandes prejuízos ambientais e sérios riscos à sobrevivência do planeta.

Assim, considerando principalmente este último ponto, observa-se que os grandes conglomerados industriais, altamente concentradores em relação a seus processos produtivos, dissipam uma grande quantidade de energia e detritos no ecossistema, geralmente em uma área territorial reduzida, que sofre todas as conseqüências dos dejetos produzidos por estes referidos empreendimentos. Por outro lado, observa-se que pequenas unidades produtivas, menos concentradoras de matéria e energia, causam menores problemas ambientais, pois terão mais controle sobre seus resíduos, bem como terão mais preocupação em recolhê-los, principalmente devido a estes estarem localizados geralmente em áreas que vão servir como residência ou local de trabalho e, não em espaços distantes de seu uso cotidiano.

Outra relevante questão relaciona-se ao fato de que os empreendimentos econômicos solidários precisam tanto desenvolver seus princípios, quanto se desenvolver enquanto organização no competitivo mundo capitalista, isto sem sucumbir às armadilhas que este sistema impõe e que, comumente, leva a um processo de espoliação e alienação dos trabalhadores, conforme pontua o professor Cattani.

A resposta a esta questão está relacionada ao processo de autogestão, antiga forma de organização que pode ser verificada em vários momentos históricos, como nos antigos falanstérios, nas Comunas de Paris, nos sovietes e em outras experiências urbanas e rurais em diversas regiões do mundo (ALBUQUERQUE, 2003).

Enquanto fator de organização, verifica-se no conceito de autogestão o caráter social e político do empreendimento. Desta forma, considera-se a existência de relações totalmente opostas àquelas vigentes no atual modo de produção capitalista, onde a heterogestão (administração diferenciada e hierarquizada) é a determinante. Ao contrário, no processo da autogestão não existe diferenciação entre os participantes do empreendimento, sendo todos responsáveis, de forma coletiva, pelos caminhos que serão definidos.

Nesta concepção o trabalhador não mais assume o caráter de empregado, daquele que “apenas” é detentor do fator trabalho, do espoliado de capital. Nesta etapa o associado passou a ser proprietário também dos meios de produção, das máquinas e equipamentos, sendo este o principal elemento diferenciador em relação ao modo vigente. Assim, este trabalhador terá que realizar tarefas operacionais e administrativas, algumas vezes como o próprio administrador e outras como alguém que precisa estar acompanhando tudo o que ocorre no empreendimento para poder contribuir concretamente com o desenvolvimento deste.
Esta nova realidade não é fácil. Muitos sentem falta dos dias em que apenas precisavam cumprir horário na empresa, quando não tinham que ficar preocupados com o setor financeiro, de recursos humanos, almoxarifado, etc., apesar de sempre serem os primeiros a sofrer as conseqüências quando a empresa não estava bem financeiramente, pois, como se sabe, logo eram demitidos.

No processo de autogestão o trabalhador precisa estar disposto a dedicar-se ao empreendimento coletivo, fazendo com que este seja bem sucedido, pois, ao contrário, todos os participantes desta organização serão prejudicados. Esta dedicação, que muitas vezes requer certos “sacrifícios”, relaciona-se a disponibilizar uma parte de seu tempo à construção do empreendimento, procurando conhecê-lo melhor, pesquisando sobre novas formas de organização e gestão, bem como sobre os processos de consolidação da democracia interna e compartilhamento de responsabilidades.

Enquanto fator de gestão, observa-se o caráter econômico e técnico destes empreendimentos autogestionários. Assim, não se pode esquecer que, seja uma cooperativa, uma associação de produtores, um empreendimento familiar, uma micro empresa, etc., o empreendimento vai estar inserido, como já foi afirmado, no sistema capitalista e, precisará sobreviver nele, sem contudo trilhar o mesmo caminho que este sistema segue, tanto no que diz respeito ao seu padrão de acumulação, quanto nos elementos que vão levar a um processo de heterogestão do empreendimento.

Construindo-se dentro de novos princípios e valores, deve este ser pautado pelos fundamentos da decisão democrática e coletiva, já avaliadas, mas também da distribuição igualitária da renda gerada no referido empreendimento solidário. Aqui é importante compreender que este empreendimento será tanto mais solidário quanto mais as decisões forem coletivas, as responsabilidades compartilhadas e a renda dividida igualmente.

Ainda em relação à gestão administrativa e tecnológica, torna-se fundamental que os sócios assumam suas atividades com dedicação e responsabilidade ainda maior do que assumiriam em qualquer empreendimento capitalista, isto simplesmente porque neste momento os produtos e resultados não serão mais apropriados por um ou por poucos, mas por todos. Planejamento, acompanhamento e avaliação precisam fazer parte da rotina deste tipo de organização, principalmente ao considerar-se que esta necessita dar respostas imediatas e muito mais consistentes para poder continuar existindo.

Responsabilidades com o cumprimento das tarefas, horários acordados, qualidade do produto ou serviço disponibilizado bem como seus resultados, são elementos determinantes ao bom andamento da gestão administrativa e tecnológica desta proposta solidária e coletiva. Precisam também ser pensados indicadores que auxiliarão no referido processo de avaliação, possibilitando assim que se tenham parâmetros mais concretos no que diz respeito a uma análise de desempenho, obtendo elementos que indicarão se o mesmo está sendo pautado pelos pressupostos da economia solidária, tanto internamente quanto externamente, na relação deste com outras organizações populares, movimentos sociais ou governos.



BIBLIOGRAFIA:
ALBUQUERQUE, Paulo Peixoto de. Autogestão. p.20-26. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.
SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2002.CATTANI, Antonio David. A outra economia: os conceitos essenciais. p.09-14. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.
* Economista da COOPENSAR, Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento e Professor da UNAMA.

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL – I

Dion Márcio Carvaló Monteiro*
Mário Jorge Brasil Xavier
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1 – PREÂMBULO
Diversas ações têm demonstrado que um processo de desenvolvimento, especialmente aquele no qual se reivindica sustentabilidade, inicia-se a partir da implementação de políticas educacionais consistentes e inovadoras. Em 2002 um grupo de professores(as), técnicos(as), alunos(as) e lideranças comunitárias iniciaram uma importante experiência na região Oeste do Pará, mais especificamente na região Transamazônica. Essa experiência, implementada a partir dos recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), foi batizada de Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica (ALFA-CIDADÃ), tendo como principal objetivo implementar um processo de alfabetização que propiciasse aos(as) trabalhadores(as) a possibilidade não só de escrever seu próprio nome, mas também de compreender a realidade em que viviam, e mais, que pudessem interferir nesta realidade, transformando-a. Um dos municípios participantes deste projeto foi Pacajá/PA, onde foi possível verificar como um processo de alfabetização, com uma perspectiva transformadora e dialógica, pode influenciar no desenvolvimento local.

2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A REGIÃO TRANSAMAZÔNICA
A substituição do regime democrático pelo regime totalitário, novamente imposto aos brasileiros pelos militares e seus colaboradores a partir do golpe de 1964, trouxe junto consigo a “Doutrina da Segurança Nacional”. Esta doutrina tinha nas forças armadas sua sustentação e procurava fortalecer o estado de exceção a partir, principalmente, dos seguintes elementos: (1) Repressão aos movimentos populares organizados, logicamente contrários à ditadura implementada; (2) Implantação de uma política que levasse a um grande crescimento econômico, sem haver, contudo, desenvolvimento econômico, pois não previa uma distribuição de renda; (3) Ocupação dos vazios geográficos, o que pode ser perfeitamente verificado a partir da máxima “integrar para não entregar”, muito utilizada na época pelos militares.
A implementação destes princípios levou a várias ações infra-estruturais e políticas, entre estas está a abertura da Rodovia Transamazônica ou Rodovia Mário Andreaza, ou ainda BR-230. Uma grande campanha publicitária foi feita procurando convencer os(as) brasileiros(as) a ocupar esta nova fronteira agrícola, campanha principalmente direcionada aos nordestinos, mas que alcançou também brasileiros e brasileiras de todo o território nacional.
Hébette (2002, p. 207) observa que as populações migrantes dos anos 70 do século XX serviram, sem saber, como instrumentos de ocupação de uma região pouco explorada e que, naquele momento, era foco de uma das mais fortes resistências ao regime totalitário, a Guerrilha do Araguaia.
Devido a esta compreensão político-desenvolvimentista vários problemas logo começaram a surgir e, a grande quantidade de recursos investidos na região na década de 1970 foi ficando cada vez menor, isto ainda antes do fim desta década, acentuando a compreensão dos(as) trabalhadores(as) rurais a respeito da necessidade de uma maior organização por parte destes.
É importante observar que este processo de organização/politização foi intensamente incentivado pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ambas ligadas à Igreja Católica e influenciadas pela Doutrina da Teologia da Libertação, sendo esta ação incrementada já a partir do final dos anos 70, início dos anos 80, antes mesmo do retorno ao regime democrático, em 1985.
Neste momento vale ressaltar que já existiam alguns sindicatos de trabalhadores rurais (STR’s) na região, mas que suas direções estavam todas comprometidas com os dirigentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituição dirigida naquele momento pelo governo militar.
Com uma participação cada vez mais intensa, os movimentos sociais organizados passaram a ter grande influencia sobre os(as) agricultores(as), criando novas perspectivas nas relações de poder local. Com a abertura democrática este processo avançou mais ainda, passando as lideranças dos(as) trabalhadores(as) não só a ter influencia em suas organizações, mas nas ações do próprio governo, algumas vezes através das negociações e outras a partir de ações mais intensas como a realização de atos públicos e até mesmo ocupações de prédios governamentais.
3 – EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL EM PACAJÁ/PA
É com base no anteriormente exposto que vai se dar a consolidação do processo de ocupação desta parte da região Oeste do Pará, o que com o passar do tempo permitiu o surgimento de vários municípios, entre estes o município de Pacajá, localizado a 578Km de Belém, isto ao ser considerada a distância via Rodovia Transamazônica e, rodovias complementares, até a capital do estado (Oliveira, 1992, p. 66).
A abertura da BR-230, bem como a construção da ponte sobre o Rio Pacajá, fizeram com que fosse necessário ser instalado um ponto de apoio aos trabalhadores que estavam executando as referidas obras, desta forma, começaram a surgir às proximidades pequenos armazéns, principalmente destinados à venda de alimentos, entre outros bens necessários à sobrevivência das pessoas que estavam acampadas naquele ponto. Com o passar do tempo novas famílias foram chegando, trazidas pela promessa do governo militar a respeito da distribuição de terras a todos aqueles que quisessem trabalhar e colonizar aquela região.
A vila de Pacajá, nome pelo qual esta área ficou conhecida devido à existência do citado rio, pertencia ao município de Portel, porém as grandes distâncias desta vila em relação ao centro urbano do referido município, além das próprias dificuldades de acesso e interesse político, faziam com que a infra-estrutura disponível fosse bastante precária.
Os Projetos de Assentamento (PA’s) criados na área pelo INCRA logo deixaram de receber recursos, como já foi anteriormente observado, ocasionando sérias dificuldades aos(as) agricultores(as) ali assentados(as). Esta situação incrementou o interesse dos moradores quanto à emancipação política da vila, o que ocorreu no dia 10 de maio de 1988 através da Lei n°5.447/88.
A partir deste processo de emancipação, ocorreu também uma incrementação no que diz respeito aos movimentos sociais no município, com a criação dos STR’s locais e de outras organizações, principalmente aquelas que representavam a luta pela terra. Esta pressão social levou ao surgimento de novos PA’s, com a abertura de novas linhas de crédito para os(as) agricultores(as). Mas é também um momento no qual se intensificam os conflitos entre posseiros, fazendeiros e grileiros.
Nos anos de 1990 os movimentos sociais já estavam razoavelmente organizados neste município, tendo ocorrido também neste período um desenvolvimento na pecuária e na agricultura, mais especificamente em relação às culturas do cacau, pimenta-do-reino, café e cupuaçu. A nível regional dava-se a consolidação do Movimento Pela Sobrevivência na Transamazônica (MPST), atualmente Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), consolidando a compreensão dos colonos quanto à necessidade da manutenção e intensificação da luta pela terra, garantindo a permanência na região e a continuidade das ações reivindicatórias e propositivas (Pereira, 1991).
Nos anos 2000 chegaram a Pacajá grandes madeireiros e grileiros, agravando-se mais ainda a disputa pela posse da terra. Esta situação vai levar a necessidade de uma intervenção por parte dos órgãos governamentais e a implementação de políticas específicas que possam contribuir com a superação deste problema. Porém, a atual realidade dos(as) trabalhadores(as) rurais mostra que naquela região esta ação, necessária, ainda é muito pouco eficaz, senão inexistente, o que vai fazer com que os movimentos sociais continuem, até hoje, a denunciar esta questão.
Uma parceria realizada entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação João Pinheiro, entidade ligada ao Governo de Minas Gerais, originou o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Este estudo, feito a partir dos dados dos censos de 1991 e 2000, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou a situação de 5.507 municípios existentes no país, entre estes o município de Pacajá/PA.
A referida pesquisa demonstrou que no ano 2000 Pacajá tinha uma população de 28.888 habitantes, sendo que 26,32% (7.604 habitantes) encontravam-se na zona urbana. Porém, a maioria absoluta dos munícipes estava localizada na zona rural, com um total de 73,68% (21.284 habitantes). Neste período, o censo populacional indicou que o conjunto dos habitantes do município correspondia apenas a 0,47% da população do Estado do Pará.
Em relação ao quesito renda, apontou o Atlas que 20% da população (de maior poder econômico) apropriaram-se de 77,8% de toda a renda gerada no município, enquanto que 80% da população (de menor poder econômico) apropriaram-se de apenas 22,2% desta renda. O trabalho indicou ainda que, em 2000, 77,7% das crianças do município estavam vinculadas a famílias que possuíam renda mensal inferiores a ½ salário mínimo.
Quanto ao nível educacional o estudo mostrou que em 2000, na faixa etária de 18 a 24 anos, o município de Pacajá apresentava uma taxa de analfabetismo de 11,9%, porém esta taxa aumentava para 39,1% quando eram consideradas pessoas na faixa etária de 25 anos ou mais. Outra importante informação proveniente desta pesquisa é que, quando se considera apenas a Microrregião Altamira/PA
[1], verifica-se que em 1991 Pacajá ficou em último lugar em relação à taxa de alfabetização, apresentando uma taxa de analfabetismo de 48,44%, considerando-se pessoas com 15 anos de idade ou mais. Em 2000 esta situação melhorou, porém o município ainda apareceu em antepenúltimo lugar, com uma taxa de analfabetismo de 29,47%, considerando a mesma faixa etária, tendo ficado apenas à frente dos municípios de Senador José Porfírio e Anapú.
A grande quantidade de problemas sociais verificados no município de Pacajá, refletindo uma situação que é comum em todo o Estado do Pará, também vai ser um dos fatores que levaram ao fortalecimento e consolidação das organizações dos moradores deste município, sendo a educação do campo um dos principais temas. Um importante exemplo desta priorização é a existência da Casa Familiar Rural (CFR) de Pacajá, utilizando a pedagogia da alternância
[2] como forma de construir um ensino diferenciado voltado aos(as) trabalhadores(as) e filhos(as) de trabalhadores(as) rurais, isto a partir de temáticas direcionadas para a realidade deste público alvo.
Nos próximos números da revista serão abordadas as concepções filosóficas e pedagógicas do Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica – ALFA-CIDADÃ, além dos primeiros resultados verificados no Município de Pacajá/PA a partir da implementação deste projeto, que hoje já se transformou em um Programa da Universidade Federal do Pará.







BIBLIOGRAFIA
ATLAS do desenvolvimento humano no Brasil. Brasília: PNUD/IBGE, 2003. Disponível em: <
http://www.pnud.org.br/defaut1.asp?par=1 >. Acesso em 22 de dezembro de 2003.
HÉBETTE, Jean. Reprodução social e participação na fronteira agrícola paraense: o caso da Transamazônica. p.205-231. In: HÉBETTE, Jean. MAGALHÃES, Sônia Barbosa. MANESCHY, Maria Cristina (org.). No mar, nos rios e na fronteira: faces do campesinato no Pará. Belém: EDUFPA, 2002.
OLIVEIRA, Elias Soares. Pacajá e sua história. Pacajá/PA: SEMEC-TUR, 1992.
PEREIRA, João Batista Uchoa. Breve histórico e contexto atual da região da Transamazônica. Altamira/PA: Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP, 1991 (mimeo).
* Economista, Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento – PLADES/NAEA/UFPA e Professor da UNAMA. E-mail: dion@ufpa.br
** Cientista Social, Mestre em Antropologia – UFPA e Professor do UEPA. E-mail: mjbrasil@uol.com.br
[1] A Microrregião Altamira/PA é composta pelos municípios de Altamira, Anapú, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu.
[2] Nesta concepção os(as) alunos(as) ficam uma (01) semana na CFR e duas (02) em suas residências/lotes. Quando estão na CFR os(as) aluno(as) discutem coletivamente os problemas que identificam em suas residências/lotes e em suas comunidades, participam de debates, palestras, reuniões, além de receberem educação geral e visitarem as experiências agrícolas próximas (intercâmbio). Quando estão nas residências/lotes estes(as) procuram aplicar, na prática, todos os conhecimentos que adquiriram na CFR, interagindo com suas famílias e com a comunidade, procurando contribuir com a solução dos problemas coletivos, além de receber a visita dos monitores da CFR. Também é importante ressaltar que a administração da CFR é feita pelas próprias famílias dos(as) alunos(as).

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL: UMA COMPREENSÃO POLÍTICA

Dion Márcio Carvaló Monteiro*
Mário Jorge Brasil Xavier
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1 - POR UMA OUTRA PROPOSTA DE EDUCAÇÃO
Vive-se numa sociedade letrada, na qual a leitura e a escrita são elementos indispensáveis para o processo de socialização e comunicação humana. A leitura e a escrita, portanto, não devem ser reduzidas ao ato de decodificação das palavras em sílabas, das letras em sons, ou ainda ao ato mecânico da escrita, enquanto cópia, sem significado. Trata-se de um modo de ler e escrever com autonomia para interpretar, discutir e produzir textos com qualidades e características que favoreçam o entendimento e a comunicação tanto por parte de quem escreve, como por parte de quem lê.
No processo de alfabetização de jovens e adultos, esse ler e escrever com autonomia e qualidade, deve estar fundamentado na realidade do(a) educando(a), pois é dessa realidade que ele(a) extrai seus significados e constrói sua compreensão de mundo. Daí a necessidade do(a) educador(a) ter consciência e conhecimento dessa realidade. No dizer de Paulo Freire (1981), “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”. Nesse sentido a alfabetização deve oferecer as condições para que o(a) alfabetizando(a) desenvolva a capacidade de ler criticamente a realidade, como um processo sistemático de ensino-aprendizagem, no qual o(a) educando(a), a partir da compreensão do mundo, possa intervir sobre ele, consciente da sua participação nas mudanças sociais.
A obra de Paulo Freire e, sua concepção da centralidade do conhecimento popular na educação de jovens e adultos, caracteriza-se como uma verdadeira antropologia da educação. Sem dúvida, as pedagogias inspiradas no pensamento freireano partem do conhecimento do sujeito, obtido tanto de suas experiências singulares quanto das suas vivências coletivas, no que diz respeito à vida, ao trabalho e às lutas sociais.
Desta forma e, partindo do entendimento da antropologia enquanto uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, isto é, a busca de respostas para entender o que somos a partir do espelho fornecido pelo “outro”; uma maneira de se situar na fronteira de vários mundos sociais e culturais, abrindo janelas entre eles, através das quais se podem alargar nossas possibilidades de sentir, agir e refletir sobre o que, afinal de contas, nos tornam seres singulares, humanos, traça-se uma análise sobre o conhecimento enquanto um processo social entre conhecedores, tanto os(as) que são denominados(as) educadores(as) quanto os(as) educandos(as), em que estarão presentes relações sociais de troca, em sua maioria desiguais e certamente diferentes.
Observa-se que, a cultura deste outro, construída cotidianamente nestes processos de produção e reprodução social, não é constituída apenas de artefatos “exóticos” pela sua artesanalidade, mas de um conjunto de saberes codificados em ritos, mitos e outras formas de expressão, que precisam passar para as próximas gerações. Isto quer dizer que, mesmo numa comunidade rural “isolada”, os processos identitários não são uniformes e são compostos pela diferença. Comunidades rurais apresentam, entre si, formas diferenciadas de apropriação e reprodução do conhecimento e no processo escolar tradicional acabam anulando-se deste saber local, que tanto utilizam no cotidiano.
Na realidade atual do campo no Brasil, a divisão sexual do trabalho e a preservação do conhecimento ancestral por mulheres e/ou idosos(as) contrasta com um índice de analfabetismo total que beira a 80% nas faixas etárias acima de 50 anos. Ao mesmo tempo, cada vez mais, jovens agricultores(as) avançam, ainda que precariamente, no processo educativo, mas os conhecimentos adquiridos praticamente não contribuem com uma maior qualidade de vida de suas famílias no campo, pelo contrário, favorecem sua migração para as grandes cidades.
É preciso, pois, vislumbrar, que a educação tão negada a estas populações, tão subjugada enquanto projeto individual e coletivo está sendo resignificada através das educadoras e educadores comprometidos com uma educação popular do campo. Não mais um sonho distante ou uma dádiva, mas um direito, ao contrário de ser mais uma imposição de forasteiros iluminados, ser construída coletivamente, com a participação dos próprios educandos, deixando de ser algo para preencher um vazio, e tornando-se uma ação para revelar e confrontar o que se sabe na vida diária do(a) trabalhador(a) rural.
Neste sentido, é imprescindível construir uma concepção de alfabetização que seja uma iniciativa no sentido de colaborar para que os ditos não letrados tenham a oportunidade de adquirir as noções de leitura e escrita ou outro conhecimento, além daqueles que já possuem, apresentando um caminho a percorrer na direção do que aqui se entende ser desenvolvimento local.
Uma alfabetização cidadã deve levar em frente uma metodologia que tenha uma lógica, que pode ou não fazer parte de uma prática consciente do alfabetizando. O jeito de fazer, a prática utilizada, influenciará, sobremaneira, no resultado alcançado. É importante considerar na alfabetização de jovens e adultos que os mesmos são indivíduos, trabalhadores responsáveis pela sua própria existência; possuem idéias formadas sobre a realidade, e tem necessidades específicas a serem supridas.

2 – OS PRINCÍPIOS DO PROJETO ALFA-CIDADÃ
O Projeto Político Pedagógico do Alfabetização Cidadã na Transamazônica – ALFA-CIDADÃ sustenta-se em uma concepção de educação com parâmetros no paradigma da educação popular. Assim, todos os seus referenciais, inclusive seus princípios norteadores, são pautados por esta concepção. A seguir serão analisados sinteticamente e, na compreensão dos autores deste texto, cada um dos 05 (cinco) princípios que compõem este projeto sócio-educacional.
O primeiro princípio é o que se refere à Luta Social na Direção de um Outro Projeto de Sociedade. Aqui se compreende que a participação de homens e mulheres nos processos de construção e reivindicação social, através de suas entidades representativas ou como expressão comunitária espontânea, ajuda no desenvolvimento de uma nova concepção de sociedade, com novos valores.
Este processo de lutas coletivas certamente contribui com um incremento na formação social e educacional das pessoas envolvidas, levando conseqüentemente a uma leitura diferenciada da usual, principalmente no que se refere à compreensão das relações econômicas, sociais e políticas que se fazem presente na superestrutura, ou seja, grosso modo, na concepção ideológica vigente.
O segundo princípio é a Prática Social como Fio Condutor de Partida e Chegada. É este preceito, que se expressa, entre outras coisas, a partir das experiências de vida das pessoas, que vai ligar o processo de ensino aos resultados esperados, ou seja, a possibilidade de que seja feita uma leitura crítica da realidade social. Verifica-se que estas experiências de vida podem apresentar-se tanto no âmbito das relações pessoais, quanto no das relações profissionais, através do desenvolvimento de suas atividades de labor.
É importante implementar um processo de interação entre as ações pedagógicas e a historia de vida de cada trabalhador(a), tendo como elemento fundamental os momentos representativos experimentados pelos participantes destes processos educativos, sendo então, como afirmado anteriormente, a prática social realmente o principal elo entre a construção de práticas pedagógicas inovadoras, permanentemente diferenciadas, e uma possível transformação social.
O terceiro princípio se refere à Construção e Organização Coletiva do Conhecimento. A riqueza deste princípio está na compreensão da necessidade de apropriação, por todos, do conjunto de vivências acumuladas. A troca destas experiências contribui certamente no processo de construção coletiva do conhecimento, como expresso no enunciado deste preceito. Assim, os processos educacionais precisam disponibilizar momentos que propiciem este tipo de interação, entre todos os participantes.
É importante verificar que esta troca de experiências não significa desconsiderar, de forma nenhuma, a manutenção das diferenças e individualidades. Não sendo objetivo, portanto, a construção de uma única compreensão da realidade, devendo ser esta socializada e nunca inexoravelmente totalizada, ou seja, considerada como algo que, a partir das reflexões coletivas, deva ser vista como monolítica, fechada ou acabada e, não sujeita a dialética social.
O quarto preceito considera o Trabalho Como Princípio Educativo. Aqui se entende a vivência no “mundo do trabalho” como um dos principais elementos a ser considerado em um processo educativo diferenciado. Porém, torna-se necessário observar que este fator não está relacionado com o entendimento usual deste debate, ou seja, a educação como preparação para o mercado capitalista.
A compreensão das atuais relações sociais de trabalho, em suas particularidades, possibilita o debate, visualização e construção de saberes distintos, incluindo neste caso a elaboração de tecnologias que sejam mais adaptadas a uma concepção de manutenção da biodiversidade local, defendida. Assim, a utilização de exemplos educativos tendo como ponto de partida as atividades desenvolvidas no cotidiano da labuta, garante a elaboração de uma abordagem alternativa sobre a mesma.
O quinto e último princípio pauta-se no Respeito e Valorização a Pessoa e aos Seus Saberes. No processo educativo, os saberes populares e tradicionais devem ser considerados, pois, são fundamentais no desenvolvimento da compreensão e leitura do mundo em que os trabalhadores e trabalhadoras vivem. Assim, as atividades desenvolvidas em casa, na plantação, na colheita, na roça, no que se refere a cura a partir das ervas medicinais, a “leitura” do tempo, o conhecimento sobre os animais, tudo isso, deve ser utilizado e valorizado neste processo educativo.
O diálogo desse conhecimento com os saberes científicos e tecnológicos possibilitará uma ampliação da visão dos agricultores e agricultoras e, uma intervenção mais significativa desses sujeitos em suas realidades, buscando uma melhoria na qualidade de vida dos(as) trabalhadores(as), tanto do campo quanto da cidade, sempre inserindo as informações de uma maneira prática, devendo ser as mesmas facilmente identificadas no cotidiano comunitário.
Resgatando, verifica-se que a primeira parte deste artigo, publicado no número anterior desta revista, abordou sinteticamente o processo histórico de formação da região transamazônica e o surgimento da cidade de Pacajá, na região oeste do Pará. Esta segunda parte procurou delinear a concepção política do projeto ALFA-CIDADÃ. A terceira e última parte, a ser publicada no próximo número desta revista, explicitará os primeiros resultados verificados na referida cidade, a partir da implementação deste projeto.

BIBLIOGRAFIA
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.
____. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.
____. Pedagogia do oprimido. 10ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
GIROUX, H. A. e SIMON, R. Cultura popular e pedagogia crítica: a vida cotidiana como base para o conhecimento curricular. In: MOREIRA, A. F. e SILVA, T. T. (org.). Currículo, Sociedade e Cultura. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1999.
MACEDO, R. S. A Etnopesquisa crítica e multireferencial nas ciências humanas e na educação. Salvador: EDUFBA, 2000.
* Economista, Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento – PLADES/NAEA/UFPA e Professor da UNAMA. E-mail: dion@ufpa.br
** Cientista Social, Mestre em Antropologia – UFPA e Professor do UEPA. E-mail: mjbrasil@uol.com.br

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL: AVALIANDO ALGUNS RESULTADOS EM PACAJÁ

Dion Márcio Carvaló Monteiro*
Mário Jorge Brasil Xavier
**

1 – O INÍCIO DO PROJETO ALFA-CIDADÃ EM PACAJÁ
Em novembro de 2002 foi firmado um Convênio entre o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), a Fundação de Amparo e Desenvolvimento da Pesquisa (FADESP) e a Universidade Federal do Pará (UFPA), como interveniente, com o objetivo de alfabetizar trabalhadoras e trabalhadores rurais dos Projetos de Assentamento (PA’s) ligados ao referido Instituto. O resultado deste convênio foi denominado Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica (ALFA-CIDADÃ), abrangendo um total de 09 municípios
[1].
O levantamento inicial em Pacajá apontou a existência de 360 trabalhadores(as), com mais de 15 anos, interessados em serem alfabetizados(as), indicando assim um total de 19 turmas. Posteriormente, o número de turmas foi reduzido para 16, pois se verificou que algumas pessoas, cadastradas originalmente, já estavam sendo atendidas por um outro projeto.
O processo de formação dos alfabetizadores(as) que trabalhariam no ALFA-CIDADÃ começou ainda em dezembro de 2002, entre estes estavam os que haviam sido escolhidos pelos representantes dos movimentos sociais para atuar em Pacajá. O contato com a concepção freireana de educação causou inicialmente surpresa a todos que participaram deste processo, sendo isto expressado pelos próprios alfabetizadores(as), que afirmavam haver vindo preparados, com caderno, caneta, lápis e borracha, para receber uma educação tradicional, uma educação bancária.
As atividades lúdicas, dinâmicas, a confecção de painéis, cartazes, poesias, músicas, sempre partindo da própria realidade vivenciada pelas trabalhadoras e trabalhadores rurais da região, a construção de textos como ponto de partida neste processo de alfabetização, a discussão sobre a situação sócio-econômica, ambiental e cultural do próprio agricultor, tudo isso foi, sem dúvida, uma interessante descoberta para estas pessoas, acostumadas com as cartilhas e com os livros prontos, importados de realidades e partindo de exemplos totalmente estranhos ao modo de vida amazônico.
As aulas nos assentamentos estavam marcadas para começar no dia 06 de janeiro de 2003, porém em Pacajá, como em outros municípios, verificaram-se muitos problemas, principalmente infra-estruturais (estradas, salas de aula, equipamentos, etc.), o que dificultou o início de algumas turmas. O Quadro de Funcionamento das Turmas do mês de fevereiro indicou que das 16 turmas que deveriam estar funcionando, apenas 09 (56,25%) estavam efetivamente em atividade, 07 (43,75%) ainda não haviam começado em decorrência dos problemas anteriormente citados. O Quadro de Funcionamento das Turmas do mês de março já apresentava uma situação melhor, pois das 16 turmas existentes 15 já estavam funcionando (93,75%) e apenas 01 (06,25%) ainda não havia conseguido iniciar suas atividades, situação esta que foi totalmente resolvida no mês de abril.
O segundo processo de formação ocorreu entre os meses de março e abril e o terceiro entre julho e agosto de 2003, quando os alfabetizadores(as) já estavam bem mais adaptados a concepção trabalhada, até porque já a tinham aplicado durante todo o primeiro semestre do ano de 2003, nas turmas. Conjuntamente a estes períodos de formação estava ocorrendo o processo de escolarização dos alfabetizadores(as) que ainda não possuíam o ensino fundamental completo, o que foi mais um elemento que contribuiu com o desempenho destes educadores(as), principalmente dos que compreenderam mais rapidamente a proposta política e pedagógica do projeto.
Nos períodos de formação foi possível obter muitas informações a respeito das limitações e avanços verificados pelos alfabetizadores(as) de Pacajá, no processo de alfabetização.
Algumas limitações apontadas pelos alfabetizadores(as): a irregularidade na presença de alguns alunos(as); as noites que “não possuem lua” (lua nova), o motivo deve-se aos alfabetizandos(as) precisarem caminhar por longas trilhas apenas com uma lanterna, lamparina ou com uma espécie de tocha, o que fica mais difícil em noites com pouca iluminação natural; o cansaço dos agricultores(as), após todo o dia de trabalho, bem como as longas distâncias percorridas pela maioria para chegar até ao local onde fica a escola; a precariedade na estrutura da escola, tendo que ser muitas vezes improvisada na residência dos alfabetizadores(as); a não existência de carteiras em número suficiente para todos e, algumas vezes, a não existência de nenhuma carteira na sala de aula; a não existência de quadro negro em algumas salas; a falta de lampião; a época da colheita foi apontada como negativa, no que diz respeito às atividades escolares, pois é o período em que os trabalhadores(as) mais faltam às aulas; as salas de aula sem paredes e, sem uma estrutura adequada, não propiciando o bom desenvolvimento das atividades pedagógicas com os alfabetizandos(as); as doenças também foram apontadas por alguns como um fator prejudicial, levando a ausência de vários alfabetizandos(as) e até mesmo o abandono às aulas por parte destes; a resistência de alguns alfabetizandos(as) em relação a proposta pedagógica aplicada; a parceria com o poder público foi citada como algo precário, não apresentando os resultados esperados; a precariedade das estradas utilizadas para chegar ao local de aula.
Alguns avanços apontados pelos alfabetizadores(as): a capacidade que alguns alfabetizandos(as) já apresentam de unir palavras, construindo pequenas frases, lendo-as e compreendendo-as; o interesse, participação e animação com que os alfabetizandos(as) encaram o processo da alfabetização, contribuindo muito com os avanços verificados; a pontualidade que a maioria dos alfabetizandos(as) procura ter com o início das aulas, muito importante para o rendimento do ensino; uma maior “curiosidade” por parte dos alfabetizandos(as), principalmente no que diz respeito às questões apresentadas, querendo saber sempre mais sobre o significado e como se escrevem determinadas palavras; a coragem e o esforço que os alfabetizandos(as) demonstram no processo da aprendizagem, superando os obstáculos que se apresentam; uma maior facilidade na aplicação da concepção freireana por parte dos alfabetizadores(as), levando a possibilidade também de um maior desenvolvimento e melhor resultado nas atividades realizadas com os alfabetizandos(as); o desenvolvimento das atividades dialógicas, garantindo uma maior integração entre alfabetizandos(as) e alfabetizadores(as).

2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E RESULTADOS PRELIMINARES
Os primeiros dados coletados no final do primeiro ano do projeto, no mês de dezembro de 2003, apresentam algumas informações que necessitam de uma avaliação mais detalhada para que se definam novas ações por ocasião da provável reedição do mesmo, ou para dar suporte a outros projetos de alfabetização do campo que virão. Desta forma, serão apresentados estes dados procurando já neste momento elencar algumas considerações.
O Quadro da Situação Final do Projeto em Pacajá indica que iniciaram, em janeiro de 2003, 301 trabalhadores(as) alfabetizandos(as) no ALFA-CIDADÃ, no levantamento de abril verificou-se a entrada de 13 novos alunos(as), totalizando 314 pessoas, em julho estavam participando efetivamente das aulas 310 alunos(as), no levantamento realizado no mês de agosto verificou-se a participação de 287 educandos(as) e, no último levantamento, em dezembro de 2003, apurou-se que concluíram o curso 290 alfabetizandos(as). Considerando apenas a quantidade de alunos que iniciaram as aulas (301) e o levantamento quantitativo final (290), verifica-se uma taxa de 96,35% (do número inicial) que concluíram o curso, o que não quer dizer que estes educandos(as) eram exatamente os mesmos que estavam presentes no início do processo.
Estas informações indicam uma evasão quantitativa de 3,65%, bastante reduzida em relação à média geral do projeto que foi de 23,44%. Porém, somente foram considerados alfabetizados(as) 223 pessoas das 290 que concluíram o curso, um percentual de 76,89% de alfabetização, inferior a média do projeto que foi de 82,29%. Ressalta-se aqui que ser alfabetizado(a), na concepção política adotada, não demanda apenas a capacidade de assinar o nome ou decodificar símbolos, exige-se a capacidade de compreender o que se lê e escreve, indicando uma possibilidade de interação qualitativa com o meio, transformando-o.
É neste contexto que as ações do projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica foram dirigidas. Desta forma, a partir das observações feitas e, ao dialogar com os(as) responsáveis pelo projeto na área, pode-se identificar alguns dos elementos que foram desenvolvidos.
Em relação às discussões que permeavam as aulas, estas envolviam aspectos relevantes relacionados à realidade dos alfabetizandos(as). Assim, esta troca de experiência que antes era feita “somente” aos domingos, geralmente antes da missa, passou a estar presente todos os dias, contribuindo com um aprendizado que inseria em seu contexto elementos relacionados ao mercado, comercialização, criação de animais, tratamento de pragas que prejudicavam a plantação, etc.
Quanto aos debates sobre matemática, utilizava-se como exemplo a quantidade plantada e coletada por cada um, a cubagem da madeira, o tamanho da propriedade, a quantidade de animais que são criados e, outros exemplos relevantes a realidade local, tanto contribuindo com o aprendizado dos alfabetizandos(as) no que se refere a letras e números, quanto ajudando no desenvolvimento das atividades inerentes ao dia a dia do trabalhador(a).
Os aspectos da regionalidade também foram trabalhados permanentemente como elemento de alfabetização e desenvolvimento local. O resultado desta prática foi uma maior valorização da identidade amazônica presente em cada uma destas trabalhadoras e trabalhadores, a compreensão e consideração de suas peculiaridades regionais, em especial da região da Transamazônica e do município de Pacajá, inserindo aspectos da cultura, folclore, lendas, contos, culinária, danças, entre outros, fundamentais neste processo de valorização do saber local.
Ainda existem muitas dificuldades no que diz respeito às questões infra-estruturais, principalmente quanto à iluminação. A pesquisa que deu origem ao Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil apontou um grande déficit em relação a esta situação no município, indicando que em 2000 somente 31,7% das residências recebiam fornecimento de energia elétrica. A situação se complica mais ainda quando se consideram apenas as áreas de assentamento, onde as residências são geralmente supridas por motor movido a óleo diesel, isto quando possuem este equipamento. As escolas, ou as estruturas que servem como escola, utilizam, quase todas, lampião a gás, porém, a grande maioria possui apenas um destes equipamentos, quantidade insuficiente para uma boa iluminação da sala de aula. Os próprios coordenadores locais e alfabetizadores(as) tem comprado o gás que abastece o lampião pois a parceria com a prefeitura, que deveria ser a responsável por esta aquisição, não funcionou.
As dificuldades infra-estruturais provocaram a reação de algumas comunidades, como exemplo cita-se a Comunidade Boca Rica, do Assentamento Arataú, que organizou uma comissão de moradores, muitos ligados ao projeto e, dirigiu-se a Câmara de Vereadores de Pacajá para protestar e exigir que os parlamentares pressionassem o poder executivo no sentido de que este resolvesse pelo menos parte dos inúmeros problemas por que passam aqueles agricultores(as).
Além dos aspectos relacionados a demanda por melhorias e ao gerenciamento da família e da propriedade, incrementados pelo projeto, outro elemento significativo foi o relacionado ao desenvolvimento na capacidade de construir coletivamente estes processos reivindicatórios, neste sentido, verifica-se que as pessoas, principalmente aquelas que fizeram parte do ALFA-CIDADÃ, estão incentivando os demais membros da comunidade a mobilizarem-se de forma coletiva, muito mais do que antes, demonstrando uma importante capacidade de agir a partir de necessidades comuns.
Aspectos como estes referendam o trabalho que foi desenvolvido pelos educadores(as), coordenadores(as), alunos(as) universitários(as) e alfabetizadores(as) do projeto, tanto em Pacajá quanto nos demais município, apesar de conhecerem as dificuldades e saberem que uma verdadeira revolução na educação somente ocorrerá quando todos os atores responsáveis resolverem assumir técnica e politicamente esta tarefa. Paciência e perseverança parecem ser palavras-chave neste processo de construção de uma alfabetização dialógica, libertadora e transformadora, ou como reivindica o título do projeto, de uma alfabetização verdadeiramente cidadã.
* Economista, Mestre em Planejamento do Desenvolvimento – PLADES/NAEA/UFPA e Professor da UNAMA. E-mail: dionmonteiro@yahoo.com.br
** Cientista Social, Mestre em Antropologia – UFPA e Professor do UEPA. E-mail: mjbrasil@uol.com.br
[1] Altamira, Anapú, Aveiro, Brasil Novo, Itaituba, Medicilândia, Pacajá, Senador José Porfírio e Uruará.

Construindo empreendimentos solidários

Dion Márcio Carvaló Monteiro*

Muito mais difícil que teorizar sobre empreendimentos solidários é construir na prática este tipo de empreendimento. Inúmeras são as dificuldades neste processo. Este texto procura elencar, para reflexão, alguns elementos relevantes no que diz respeito a esta questão, iniciando com uma abordagem sobre a (de)formação social capitalista e finalizando com a apresentação das dificuldades que os participantes das organizações solidárias identificam no processo de compreensão dos princípios da economia solidária.
Com a consolidação do sistema capitalista no mundo, em meados do século XVIII, inserem-se também novos valores e formas de compreender as relações sócio-econômicas. Estes valores acompanham, na forma de superestrutura, este novo modo de produção. A ênfase na competitividade, a exacerbação do individualismo e a “falta de visão sistêmica”, considerando apenas os insumos econômicos como elementos representativos, são apenas alguns dos conceitos que vão dar sustentação a este paradigma.
O efeito sobre as pessoas também será imediatamente sentido. Adam Smith, filósofo e economista escocês, já afirmava em seus escritos que o ser humano é por natureza individualista, procurando de todas as formas satisfazer as suas necessidades. Smith dizia que este processo levaria a um avanço coletivo, pois, cada mulher e homem procurariam conseguir o melhor para si, levando desta forma a um mecanismo de competitividade que promoveria um desenvolvimento geral, o qual não foi confirmado na realidade.
Os pressupostos que se apresentam no início do século XXI tentam ratificar a compreensão capitalista e, cada vez mais, os valores do individualismo e da competitividade são reivindicados. As conseqüências destes elementos na construção dos empreendimentos solidários são grandes, pois, os associados, principalmente os menos experientes, tem muitas dificuldades em compreender que o trabalho coletivo e cooperativo deve ser considerado como fundamental para o sucesso destes tipos de empreendimento.
Os valores burgueses, embutidos consciente e inconscientemente na maioria das pessoas, fazem com que haja uma grande resistência ao trabalho compartilhado. Na maioria das vezes, esta situação aparece travestida em um certo receio antecipado de que os demais trabalhadores não cumpram com suas tarefas e, que todos sejam penalizados por esta situação. Este “medo” faz com que o trabalho coletivo seja quase sempre preterido, preferindo-se, ao ser permitido, trabalhar de forma individualizada ou o mais independentemente possível dos demais associados, penalizando assim o empreendimento coletivo.
O processo de competitividade entre as pessoas, verificado no modelo e nas empresas capitalistas, muitas vezes é transportado para dentro de uma associação ou cooperativa, ou ainda para dentro de uma pequena empresa familiar. Este tipo de procedimento vai fazer com que ocorram disputas internas entre os participantes do empreendimento na busca por uma maior visibilidade perante os demais associados. Este processo é, na maioria das vezes, fruto de disputa por cargos e poder dentro da organização, neste caso, o fortalecimento da mesma não está sendo considerado, subvertendo totalmente a lógica da cooperação, que deve ser precípua na economia solidária.
No que diz respeito aos elementos que darão sustentabilidade ao processo de produção de bens e serviços, deverão ser considerados não apenas os fatores econômicos, mas também os fatores sócio-ambientais e políticos. Porém, geralmente ocorre uma priorização dos critérios econômicos em detrimento dos demais critérios, isto se da em decorrência de uma falta de compreensão, por parte dos associados, no que diz respeito a necessidade de que sejam encaminhados processos de desenvolvimento social e ambientalmente sustentáveis. Este é um dos pontos que contribuem com uma não consolidação dos empreendimentos que almejam se desenvolver em uma perspectiva solidária.
Outro debate de grande importância está relacionado a compreensão a respeito do conceito de solidariedade neste tipo de empreendimento. Em linhas gerais muitos associados, devido ainda não conhecerem os fundamentos da economia solidária, tentam trabalhar com um conceito de solidariedade individualizada, baseada unicamente no campo das relações pessoais, o que não vai deixar de existir dentro do empreendimento. Porém, a compreensão que será necessária ser desenvolvida é a da solidariedade coletiva, baseada em interesses coletivos, tanto sociais quanto econômicos.
Ao serem priorizados, pelos associados, os interesses individuais, colocando os interesses do empreendimento, portanto coletivos, em segundo plano, os resultados são: o enfraquecimento da organização, uma maior dificuldade no desenvolvimento dos trabalhos, com resultados menos relevantes, uma avaliação menos positiva por parte dos agentes contratantes, diminuindo a quantidade de trabalhos demandados e, tendo como conseqüência final, um aumento nos problemas de todos aqueles que de alguma forma dependem deste empreendimento solidário.
É importante ressaltar que este debate não está acabado pois, o conceito de solidariedade ainda é um conceito em disputa, entre dois projetos políticos diferenciados. Como exemplo observam-se inúmeras campanhas feitas tanto por organizações governamentais quanto por não governamentais, algumas tentando dirigir a discussão para o lado caritativo e outras tentando introduzir uma discussão a respeito da solidariedade como elemento de um debate político mais amplo, procurando contribuir com um processo de transformação social.
Existe, na maioria dos casos, uma baixa qualificação por parte das pessoas associadas a este tipo de empreendimento, levando a maiores dificuldades no processo de construção do mesmo. A falta de informação, ou o excesso de informação alienante leva a necessidade de que seja implementado um grande programa de qualificação técnica e política. Isto não quer dizer que empreendimentos que possuam participantes com elevada qualificação não tenham dificuldades neste processo de compreensão do que é a economia solidária, mas estes não precisam mais partir dos elementos básicos para fazer esta discussão.
Um empreendimento solidário é, ao mesmo tempo, social e econômico, precisando ser compreendido desta forma. Neste sentido, a falta de compromisso e responsabilidade com a organização, principalmente no que diz respeito a seriedade com que as atividade de geração de renda são tratadas, causam sérios problemas a todos. A falta de pontualidade com os horários definidos, a não realização das tarefas que ficam sob responsabilidade dos associado, a falta de empenho com os trabalhos que precisam ser realizados, deixar que os demais associados resolvam as dificuldades presentes ou proponham soluções para as mesmas, as omissões de qualquer espécie, são apenas alguns dos inúmeros exemplos que podem ser dados em relação a esta observada falta de compromisso com o empreendimento.
Destacam-se três importantes elementos relacionados aos princípios da economia solidária, sendo estes os seguintes: a democracia participativa, a autogestão e a distribuição igualitária e justa da renda. A seguir serão detalhados cada um destes três itens aqui observados.
Quanto a democracia participativa, muitos trabalhadores sentem falta do tempo em que não precisavam preocupar-se com nada além do horário que deveria ser cumprido e, tentam manter uma relação de venda de sua força de trabalho para o empreendimento, não conseguindo compreender que sua participação de forma nenhuma poderá se restringir a operacionalização das atividades. A democracia participativa pressupõe um intenso compromisso por parte de todos na definição dos caminhos que a organização tomará, assumindo responsabilidades no processo decisório, um dos mais importantes momentos nos empreendimentos solidários, necessitando de todas as formas ser garantida a máxima “uma pessoa um voto”. É por este motivo que não pode haver omissão por parte dos membros do empreendimento, devendo estes participar de todas as reuniões e encontros previstos.
Quanto a autogestão ou administração democrática, identifica-se aqui a possibilidade de que todos gerenciem o empreendimento, atuando em todas as etapas de seu funcionamento, tanto no que diz respeito as questões administrativas, quanto no que se refere as questões operacionais. Esta forma de gerenciamento se opõe a heterogestão, forma de administração hierarquizada, onde prevalece uma diferenciação entre seus membros. O grande problema no processo de construção das organizações solidárias ocorre quando os associados se recusam a participar de todas as suas etapas, deixando as funções de gestão apenas para aqueles sócios que estiverem com cargo de direção, passando-lhes todo a autonomia para decidir, sozinhos, os rumos que devem ser tomados.
Esta situação ocorre devido ser, logicamente, muito mais fácil não precisar preocupar-se com tantas questões, porém a conseqüência desta atitude é o enfraquecimento do empreendimento, fazendo com que este até deixe de existir. Ao contrário, quando todos participam coletivamente de sua gestão, o mesmo se fortalece e consegue avançar em seus objetivos, crescendo e se solidificando.
O último princípio destacado é o que se refere a distribuição igualitária e justa da renda. Nas empresas capitalistas o salário é sempre diferenciado, os trabalhadores operacionais recebem um valor, aqueles da parte administrativa outro e os funcionários com cargo de direção um valor maior ainda. Em um empreendimento solidário, quanto mais consolidado este for, mais igual será a remuneração pelos serviços prestados ou bens produzidos por seus trabalhadores, independente da função que estiverem exercendo naquele momento. Uma das estratégias que podem ser utilizadas, no sentido de que se alcance esta distribuição mais justa e igualitária da renda, é a que define que cada associado receberá de acordo com a quantidade de horas que trabalhar, sendo que o valor da hora trabalhada será o mesmo para todos, independente da sua função, como foi afirmado anteriormente. Este é um mecanismo impensado nas empresas capitalista, mas totalmente inserido nos princípios de um empreendimento solidário.
Construir este tipo de empreendimento é um grande desafio, mas é somente o primeiro passo. Os trabalhadores, ao dispor de um instrumento concreto que possa se contrapor a opressão que o sistema capitalista impõe, ficam um pouco mais preparados para ser o principal sujeito na construção de sua própria história, transformando-a e, conseqüentemente, transformando o mundo.
* Economista da COOPENSAR, Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas, Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento e Professor da UNAMA. E-mail: dion@ufpa.br/dionmonteiro@uol.com.br

SENADO FEDERAL PROPÕE NOVAS FORMAS DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE SOBRE FUNDAÇÕES E ASSOCIAÇÕES

Instituto Amazônia Solidária e Sustentável[1]

A hegemonia do paradigma capitalista, submetendo inclusive as finadas repúblicas socialistas do leste europeu à sua lógica, tem levado à consolidação de valores pautados em um exacerbado individualismo, bem como em uma competitividade sustentada por uma injusta e desigual “meritocracia”. Atrelada a isto se vê a expansão forçada de uma falsa democracia (baseada no regime democrático burguês representativo), impulsionada pelas ações militares dos EUA, aplicando um verdadeiro terrorismo de estado sobre outras nações.
Em meio a este contexto estão inseridas várias organizações, entre estas o Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (AMAS), que busca através da pesquisa científica e do debate qualificado contribuir com a construção de um modelo baseado em princípios diferenciados daqueles atualmente considerados pelo sistema vigente. Porém, a realidade anteriormente explicitada exige destas organizações uma concreta intervenção social, objetivando novas relações econômicas, sociais, políticas, ambientais e culturais. Sendo esta, em síntese, a missão do Instituto AMAS.
No Brasil este tipo de organização, de caráter político transformador, tem sofrido grandes ataques das forças economicamente dominantes, principalmente por parte de seus representantes no Congresso Nacional e através dos veículos de comunicação ligados a estas pessoas. Um levantamento divulgado pela Agência de Notícias Carta Maior, em texto intitulado “ONGs querem que câmara altere marco legal já aprovado no senado” observou que existem no congresso 24 proposições relacionadas às organizações não-governamentais (fundações e associações), sendo 02 voltadas a questões pontuais, 04 direcionadas a incentivos e 18, quase a totalidade, referentes a fiscalização e controle destas organizações.
No dia 30 de junho de 2004 foi aprovado no Senado Federal, estando tramitando agora na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei (PL) nº 3877/04, que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das ONGs, além de dar outras providências. Este PL aponta, entre outras, as seguintes questões: (01) as ONGs prestarão contas dos recursos recebidos, sejam estes de origem pública ou privada, ao Ministério Público; (02) fica criado o Cadastro Nacional das Organizações Não-Governamentais (CNO), administrado pelo Ministério da Justiça; (03) por ocasião da inscrição no CNO, as ONGs prestarão esclarecimentos sobre fontes de recursos, tipos de atividades e linhas de ação; (04) somente receberão fomentos governamentais as ONGs inscritas no CNO e que sejam qualificadas como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).
O Projeto de Lei 3877/04 apresenta duas questões centrais em seu escopo, uma relacionada a um maior controle no que diz respeito ao recebimento de recursos pelas ONGs, ressalte-se novamente: tanto recursos públicos quanto privados, e outra, a mais reacionária e que representa um verdadeiro retrocesso, além de um duro golpe na liberdade e independência das organizações, relacionada ao controle e à fiscalização sobre as próprias ações das organizações não-governamentais.
Em relação a um maior controle sobre os fomentos governamentais e outros recursos recebidos, observa-se que já existem vários órgãos e instrumentos que podem e devem ser utilizados para que se garanta a aplicação correta dos financiamentos públicos, sendo os mais importantes os Tribunais de Contas da União, dos Estados e dos Municípios, além de outros órgãos correlatos. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) conjuntamente com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), intitulada “As fundações privadas e associações sem fins lucrativos no Brasil - 2002” apontou a existência de aproximadamente 276 mil organizações, sendo que, deste montante, 77% afirma não possuir nenhum empregado formal, trabalhando assim basicamente a partir de ações voluntárias, ou seja, com o apoio da sociedade. Apenas 1% conta com 100 empregados ou mais, sendo consideradas de grande porte. Verifica-se que a quase totalidade das ONGs consideradas de grande porte é formada principalmente por universidades e hospitais, conforme observa Alexandre Ciconello, do Escritório da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG), em Brasília. As informações anteriores indicam que ocorre uma grande concentração dos recursos em uma quantidade muito pequena de organizações, o que fragiliza a argumentação dos que dizem que existe um processo generalizado de desvio de verbas nas ONGs existentes, quando na verdade nem sequer os recursos concretamente são repassados para a maioria das instituições.
Camuflada na proposição anterior está a verdadeira intenção do Projeto de Lei nº 3877/04, ou seja, implementar um maior controle e fiscalização sobre todas as ações desenvolvidas pelas organizações não-governamentais que atuam no Brasil. Corroborando com a afirmação anterior, verifica-se (nos últimos anos) a implementação de uma sistemática campanha, encampada por diversos políticos, apoiados por vários veículos de comunicação, no sentido de descaracterizar e, principalmente, desmoralizar as ONGs mais atuantes. Quanto mais transformadoras são as proposições destas organizações, mais perigos estas trazem para a manutenção de um equilíbrio, de cunho no mínimo “malthusiano”, entre aqueles que possuem muito e os que não possuem nada. Desta forma, avaliam os representantes destes poderosos setores econômicos, torna-se necessário criar um mecanismo, o CNO, que possa garantir o controle e a fiscalização sobre as ONGs, engessando e impedindo suas ações e, quando isto não for suficiente, determinando o impedimento formal da execução de suas atividades no território nacional.
O Instituto AMAS tem como um de seus princípios o seguinte: “Respeitar a autonomia e a independência econômica, político-partidária e religiosa, tendo compromisso com o fortalecimento da cidadania e com a conquista e expansão da democracia na sociedade, de caráter popular e participativa”. Assim, não é possível aceitar mecanismos autoritários e reacionários como os que se procura implementar através do PL 3877/04. É fundamental que todas as pessoas e organizações, principalmente as que prezam a liberdade de pensamento e ação, rejeitem severamente mais esta agressão implementada por grupos claramente interessados em obter benefícios econômicos às custas da exploração popular. Esta é a posição do Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (AMAS).
[1] Contatos para institutoamas@yahoo.com.br