A nota da COIAB [Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira]
O Movimento Indígena está de luto pela morte inesperada de uma de suas maiores lideranças, Jorge Miles da Silva, conhecido no meio indígena como Jorge Terena, que faleceu na tarde do dia 09 de novembro de 2007, por volta das 16:00 horas, na UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) do Hospital Santa Júlia, na cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas. Jorge Terena, homem simples, de fala ponderada e precisa, com seu sotaque destoado e seu espírito guerreiro, escolheu em vida a defesa intransigente dos direitos mais elementares da gente indígena. Sempre lutando contra as injustiças cometidas contra o seu povo. Tendo sido um dos fundadores do Movimento Indígena Nacional, posicionou-se sempre a favor dos interesses mais nobres – das causas mais elevadas, prestando, nos últimos tempos, importantes serviços aos Povos Indígenas da Amazônia. Como sociólogo, defendeu uma participação mais ativa da juventude indígena nos movimentos de lutas sociais. Incentivou as práticas desportivas como um dos instrumentos de inclusão e enfrentamento das problemáticas indígenas. Porém, agora, Jorge Terena atendeu ao chamado para morar na Casa do Grande YURIKOYUVAKÁI (DEUS), deixando para todos nós, Povos Indígenas do Brasil, uma rica herança de relevantes trabalhos. Para sua família enlutada fica a lembrança de um Pai carinhoso e de um marido sempre presente. Para seus amigos deixa a saudade de vários momentos de luta e resistência à dianteira dos memoráveis embates do Movimento Indígena. Para as gerações futuras o exemplo e a lição de um indígena guerreiro, inteligente e ilustre, que não era nem maior e nem menor que a causa que carregou no peito, mas dela fazia parte sentindo na pele as angustias e sofrimentos da população indígena brasileira.
Neste momento de dor, a COIAB convida todos os amigos de Jorge Terena e aliados da Causa Indígena a confortarem sua família entristecida e a prestarem sua gratidão àquele que estará sempre presente na memória coletiva dos Povos Indígenas. Seu corpo será velado na sede da COIAB à Avenida Ayrão, 235 – Presidente Vargas – Manaus. Manaus, 09 de novembro de 2007.
Jecinaldo Barbosa Cabral – Sateré – Mawé Coordenador Geral da COIAB
Marcos Apurinã Vice-coordenador - COIAB
Saturnino Wapotowé Rudzane'edi Coordenador / Secretário - COIAB
Genival de Oliveira Santos Coordenador / Tesoureiro - COIAB
31/8/2006 - Jorge Terena - Revista Galileu - Brasil
Algumas pessoas ainda acham estranho um índio ter bacharelado, mestrado e doutorado, mas muitos deles já são formados em áreas como história, direito, ciências sociais, engenharia, pedagogia e outras. A maioria dos que conseguiram essa formação não tiveram ajuda do governo para tal, e continuam não tendo.
Os estudantes indígenas às vezes passam por dificuldade nas cidades, mas por compromisso com suas comunidades insistem em adquirir ferramentas científicas e tecnológicas. Isso os permite discutir de igual para igual com os governos um planejamento de políticas públicas indígenas condizente com a realidade. Mas por que tanta dificuldade para ajudar um pequeno número de indígenas a concluir os estudos? Índio não precisa estudar?
Há 20 anos, o governo militar achava que lugar de índio era só na aldeia e queria mandar os estudantes indígenas de Brasília de volta para casa. Na época, os alunos adotaram uma frase de protesto: "Posso ser o que você é sem deixar de ser o que sou!". Contudo, a visão de que o índio que sai da aldeia abandona a própria cultura ainda persiste como preconceito. Ele não pode ter diploma e continuar sendo índio?
As escolas indígenas têm várias faces hoje. Podem ser mera imposição de modelos educacionais ou podem adotar métodos que não desprezam o pluralismo e a identidade cultural dos povos. Por isso é preciso fazer uma distinção entre educação indígena e a educação escolar indígena.
A educação indígena é o processo com que cada povo transmite conhecimento (em língua nativa) para garantir a sobrevivência e a reprodução cultural. Não é uma educação dentro de quatro paredes como todos estão acostumados, mas uma educação cotidiana. Quando um pai indígena leva o filho para caçar ou coletar material de artesanato, a criança passa por um processo de transmissão cultural de valores, história e crenças.
Já a educação escolar indígena deve congregar tanto o conhecimento tradicional dos povos quanto a cultura técnica e científica da sociedade brasileira como um todo. Um choque entre as educações escolar e indígena se deu por conta da existência de concepções de mundo diferentes.
A educação escolar seguia modelos dominantes, num incentivo à acumulação de bens, à competição e ao individualismo, contrária aos processos pedagógicos dos povos indígenas, que enfatizam diferentes formas de organização social. Mas a educação escolar indígena deve servir como um instrumento a serviço da autonomia de cada povo, que deve decidir o que é uma escola verdadeiramente indígena.
É difícil para o Ministério da Educação integrar ações de ensino indígena nos três níveis de aprendizado. Se a educação escolar indígena ainda é capenga, imagine a superior. Existem algumas poucas experiências em universidades com licenciaturas específicas para atender à demanda de estudantes indígenas por cursos superiores. Mas será que estes cursos podem ajudar a solucionar os problemas enfrentados pelos povos no cotidiano?
Como os índios têm dificuldades para ingressar em universidades públicas, eles estão buscando o ensino particular, e a Funai não dispõe de verba para atender à demanda. Só um sistema integrado de educação escolar indígena, desde a educação básica até a superior, poderá garantir os princípios da especificidade, diferenciação e autonomia, que respeite a diversidade cultural, lingüística e as pedagogias próprias dos povos indígenas.