15 novembro 2007

O MDA/INCRA e a reforma agrária no Pará (capítulo 02 – os personagens e os crimes)

No último artigo informei a todos que a reforma agrária do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (MDA/INCRA) está sendo usada criminosamente no estado do Pará (PA) e em toda a Amazônia. A reforma agrária transforma-se assim, em uma política do governo Lula para beneficiar os grileiros de terras públicas daquela região: os madeireiros e os pecuaristas.
Esta política está sendo objeto de processo na Justiça Federal do Pará e, o último ato da ação judicial foi o afastamento por 60 dias de seus cargos e funções do superintendente do INCRA no município de Santarém Pedro Aquino de Santana, e de quatro outros funcionários: Sílvio Carneiro de Carvalho (superintendente-adjunto), Bruno Lourenço Kempner (executor de Altamira), Luiz Edmundo Leite Magalhães (chefe da Divisão de Desenvolvimento), e Dilton Rego Tapajós (chefe da Procuradoria Jurídica). São “acusados pelo Ministério Público Federal de suposta prática de improbidade administrativa”, “tiveram quebrados seus sigilos bancário, fiscal e telefônico” e, “durante o período de afastamento, eles não poderão permanecer nas dependências privativas de funcionários e ficarão proibidos de acessar os sistemas de dados informatizados”. (www.pa.trf1.gov.br/noticias).
O Ministério Público Federal justifica a ação porque nestes projetos de assentamentos “os trabalhos eram executados de forma apressada, por conta da pretensão do superintendente de atingir metas ambiciosas, que inclusive tinham por finalidade suprir o fraco desempenho em outras superintendências do INCRA. Na cautelar, o MPF diz que os trabalhos do Incra estavam de tal forma vinculados ao cumprimento incondicional das metas que o superintendente Pedro Aquino chegou ao ponto de assinar, em outubro de 2006, diversas portarias de criação de assentamentos, tudo para que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, então em campanha presidencial, pudesse mencionar em debate o alto desempenho do cumprimento de metas de reforma agrária. Quem assumiu o encargo de levar ao superintendente de Santarém a demanda de números de assentados foi a servidora Beronice Barros Freitas, da diretoria da autarquia em Brasília.”
Entre os exemplos dos desmandos está o PDS Cocalino, que “além de se sobrepor ao Parque Nacional da Amazônia, das 100 famílias homologadas na relação de beneficiários (RB), na comunidade há apenas 41 famílias ocupantes, sendo que destas, na realidade, apenas 26 ou 27 estão na relação de beneficiários (RB) efetivamente. E mais grave: embora a área reivindicada pela comunidade seja de 5.200 ha, com 52 famílias, o PDS, tal como criado, tem pouco mais de 2.600 ha, sendo que o mapa do assentamento feito pelo agrônomo responsável excluiu da área da comunidade uma área que vem sendo invadida pelo fazendeiro Valmir Climaco!” Por causa destes problemas denunciados, este assentamento foi cancelado em agosto último.
Em continuidade às denúncias dos crimes contra a reforma agrária que estão sendo feitos pelo INCRA, a revista Carta Capital em sua edição de 31 de outubro último, denunciou que “existem ao menos dois casos de beneficiários que não se encaixam no perfil de assentados. Maria Gorete Dantas Xavier é prefeita de Aveiro, no sudoeste do Pará, e teria recebido terras em 2005. Nélio Aguiar, médico e ex-secretário de Saúde de Santarém, foi contemplado em 2006. O fato é que tanto Maria Gorete quanto Aguiar afirmam nunca terem sido informados pelo Incra da homologação dos terrenos. O mais grave é que nenhum dos dois poderia ser contemplado, pois a prefeita é funcionária pública e o ex-secretário não é agricultor. E o pior: ela aparece como tendo recebido um financiamento de 5 mil reais, além de três liberações de 2,4 mil cada de uma mesma linha de crédito.” (Carta Capital, ano XII, n. 468, p. 36)
Dessa forma, a intervenção do MPF visa impedir estas ações “uma vez que a prática irregular pode eventualmente camuflar a obtenção de vantagens ilícitas como meio de agilização da distribuição de parcelas das terras públicas.” (www.pa.trf1.gov.br/noticias) Portanto, está envolvida de forma direta nos acontecimentos do Pará a direção nacional do INCRA.
Tanto este envolvimento é verdadeiro que o presidente do INCRA nomeou como substituto temporário do afastado superintendente de Santarém, ninguém mais, ninguém menos do que o senhor Raimundo de Araújo Lima, seu próprio Diretor Nacional de Programas. (DOU, Caderno 2, 19/10/2007, p. 33). Assim, assiste-se o próprio INCRA nacional “intervindo” na Superintendência de Santarém, para tentar garantir a continuidade de sua equivocada política de reforma agrária para o agronegócio.
Esta política foi apresentada pelo próprio Raimundo de Araújo Lima na 6ª Reunião da Comissão de Gestão de Florestas Públicas – CGFLOP, realizada na sala D do Anexo I do Palácio do Itamaraty, em Brasília, nos dias 08 e 09 de maio de 2007: “não existe, por parte do INCRA, nenhum problema com relação às empresas que se fixaram na Amazônia. E fomos extremamente tolerantes com relação à exploração florestal em terras públicas sem nenhuma autorização, algumas griladas e outras ocupadas irregularmente. Primeiro, nós verificamos, (que) ao invés de tratarmos da questão fundiária pura e simples, que aí teríamos que ter entrado com reintegração de posse, esse é (nosso) dever de ofício, (mas) não fizemos, discutimos (então) com o Ministério do Meio Ambiente, discutimos com o IBAMA, discutimos com as lideranças da região, analisamos a questão social e a questão econômica e elas, com certeza, sobrepuseram a questão fundiária, que era o fato de que você tem uma demanda por oferta legal de madeira, uma necessidade... Municípios como de Novo Progresso, com certeza, 90% da renda gerada ali vem do setor madeireiro e precisava encontrar uma forma de transição que possibilitasse as empresas manejar dentro das terras públicas e fizemos.” (Ata da 6ª. Reunião da Comissão de Gestão de Florestas Públicas – CGFLOP, Anexo 4) www.mma.gov.br
Como se pode ver “a raposa foi tomar conta do galinheiro”. E por quê? É que os madeireiros, diretamente interessados nesta política, estão cobrando a fatura. Mas, este é assunto para nosso próximo artigo, pois na Assembléia Legislativa do Pará já se discute a formação de uma CPI para o caso, e agora, a questão não é só do MDA/INCRA é também do MMA/IBAMA e do governo estadual do PT naquele estado.

Ariovaldo Umbelino de Oliveira é professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasileira é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).
Fonte: http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3335&Itemid=43font