Por Rogério Almeida
Um guarnicê (reunião) para pôr mais lenha na fogueira do caldeirão da cultura popular amazônica. Diz a lenda que assim germinou há 21 anos na cidade de Belém, capital do Pará, o grupo Arraial do Pavulagem. Na cabeça dos artistas locais a formação de público constava no horizonte. Na cidade quase ilha, a Praça da República serviu-lhe de berço.
O logradouro é um dos pingentes dos áureos dias do ciclo da borracha. É a praça que abriga o festejado Teatro da Paz. É na praça que todos os domingos ricos, remediados e pobres de todos os tons se cruzam. Há vendedores/as de tudo que é coisa: artesanato, obras de arte, relíquias, comidas regionais, livros, instrumentos musicais e outros badulaques. Músicos à margem, e outros nem tanto, fazem som.
Em alguns domingos do mês de junho barricas, matracas, maracais, alfaias, metais embalam o cordão do grupo Pavulagem. Uma referência ao pavão. A tradução indica tratar de um fanfarrão, aquele que gosta de aparecer. Se no Nordeste é o manto negro da noite que serve de cenário das celebrações da quadra junina, em Belém, os arrastões do grupo ocorrem sob o sol de 40º. Chapéu de palha enfeitado por fitas coloridas socorre do calor.
Negro, índio e caboclo são a matriz de toadas, lundus, carimbós, ladainhas, que tem no universo rural a raiz. Num mundo de água, sob o olhar da baía do Guajará, o cordão de brincantes faz o aquecimento. Idosos, adultos e crianças engrossam o coro que ultrapassa a casa de 10 mil. As mangueiras, algumas seculares, da Av. Presidente Vargas testemunham a marcha da brincadeira. Vendedores de água e cerveja acodem os participantes.
“Já pedi até a lua pra tentar te convencer. Mas acabei namorando a lua. Só não namorei você”. Canções de amor integram o repertório que homenageia São João, São Pedro e São Marçal. Uma outra celebra um boi da lua. “Mamãe eu vi boi-da-lua dançar no planeta do Brasil”.
A toada explica que o festejo é uma promessa. “Meu São João, vim pagar a promessa. Trazer esse boizinho pra alegrar sua festa. Olhos de papel de seda. E uma estrela da testa”. César Teixeira, poeta maranhense assina a canção. Pavulagem e Teixeira se conhecem apenas por versos.
No período de momo o boi vira bloco de carnaval. E a rua ganha o Cordão do Peixe Boi. Gerido no bioma amazônico nada mais justificável. O adereço é o próprio mamífero ameaçado de extinção. Integrar a brincadeira é fácil. Basta comparecer ao local de ensaio e mostrar habilidades de dança ou percussão. Ou caso contrário simplesmente engrossar o coro dos informais.
Rogério Almeida é Mestre em Planejamento do Desenvolvimento, autor do livro “Araguaia–Tocantins: fios de uma história camponesa” e colaborador da rede Fórum Carajás.