04 dezembro 2007

Governo ajuda madeireiras a devastar a Amazônia (Parte 2)

“Olha, os assentamentos podem resolver o problema do setor madeireiro lá na região”
Diretor do Incra abre esquema em gravação.
Os bastidores do esquema são explicados pelo próprio diretor Nacional de Programas do Incra, Raimundo Lima. Na conversa gravada e transcrita abaixo, Lima conta de uma reunião, em novembro de 2004, envolvendo madeireiros e o primeiro escalão do Incra e do Ministério do Meio Ambiente, onde tudo foi tramado:
“No momento daquela reunião foi provada a inviabilidade de a Lei de Gestão de Florestas Públicas resolver de imediato o problema dos madeireiros e foi efetuada uma sugestão. Primeiro: o, hoje, diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro, o Tasso [Azevedo] [...] e também o doutor Paulo Capobianco, que hoje é secretário-geral do Ministério [do Meio Ambiente] e na época era secretário de Biodiversidade, fizeram uma sugestão: ‘quantos assentamentos o Incra tem lá na região?’ O superintendente respondeu e aí eles disseram: ‘Olha, os assentamentos podem resolver o problema do setor madeireiro lá na região’. Aí, os madeireiros disseram: ‘Olha, mas nesses assentamentos que tem lá no Pará não existe mais madeira, não vai cobrir as nossas necessidades, não vai resolver o nosso problema... Mas o Incra vai criar assentamentos lá?’ [...] Aí, o Rolf já anunciou a criação da nova superintendência. E o Incra cria assentamentos lá na região, em terras públicas, e esses assentamentos serão as áreas que vão ofertar legalmente madeira para o setor madeireiro.”
Consultado sobre as palavras de Raimundo Lima, Tasso Azevedo é taxativo: “Não partiu de mim a idéia de socorrer o setor madeireiro do oeste do Pará por meio da criação de novos assentamentos em áreas com cobertura florestal primária”. Difícil saber quem mente, mesmo porque, na época da reunião mencionada por Lima, a imprensa registrou inúmeras declarações de Tasso em defesa dos madeireiros que exploravam madeira em terra pública. De qualquer forma, é impressionante como tudo o que ronda o Incra no Pará é obscuro e contraditório, sequer se harmonizando com o que diz o próprio governo federal.
Embora a autarquia oficialmente continue a fingir que nada disso existe, o Ministério Público Federal (MPF) já conhece bem a ligação promíscua entre o Incra e os madeireiros no oeste do Pará. O procurador da República, Felipe Fritz Braga, conta que em setembro último, em reunião envolvendo o MPF e representantes do Incra, ficou evidente a adoção de uma política para potencializar a exploração madeireira revestindo-a falaciosamente de reforma agrária: “Raimundo Lima disse ali abertamente para os quatro procuradores da República presentes que, na verdade, a política de criação de assentamentos pelo Incra em Santarém se inseria numa política mais ampla da autarquia, de aumentar de 2 por cento para 10 por cento a participação do Brasil no mercado internacional de madeira tropical”.

Madeireiro: “cliente da reforma agrária”
Nessa reforma agrária voltada à insaciável voracidade dos madeireiros, o Incra ignorou, até, a incompatibilidade entre os interesses dos madeireiros e dos trabalhadores sem terra. Para os primeiros, era necessário que os assentamentos fossem implantados em áreas com estoques ainda intocados de madeiras nobres, ou seja, nas distantes florestas primárias ainda não saqueadas. Porém, justamente essa condição eliminava qualquer chance de as famílias se instalarem no local.
Basta sobrepor o mapa dos novos assentamentos a uma imagem de satélite para se ver a que lado pendeu o Incra. Os PDS foram criados em distantes áreas inabitadas, e, também por serem de muito difícil acesso, cobertas por florestas virgens. A situação é absurda. Saindo-se de Santarém, por exemplo, viajam-se centenas de quilômetros atravessando áreas completamente desmatadas por gado e soja. Nesses locais não foram criados assentamentos. São latifúndios onde, muitas vezes, unem-se crime ambiental, trabalho escravo e grilagem de terras públicas, terras do Incra que foram federalizadas para a reforma agrária. A retomada dessas terras e sua destinação à reforma agrária é a mais evidente – e a mais negligenciada – obrigação do Incra. São áreas próximas aos centros urbanos e às estradas, com melhores condições de infra-estrutura e logística, onde a criação de assentamentos, além de viável, não traria dano ambiental e ainda poderia gerar alguma recuperação, como a das matas ciliares, por exemplo.
O problema é que isso não atenderia o madeireiro. Em 2005 e 2006, não há um único assentamento no oeste do Pará que tenha sido resultado da retomada da posse de terras griladas e desmatadas. A própria base cartográfica do Incra mostra como os assentamentos contornam o pasto do grileiro com preciso cuidado e ficam limitados à área coberta por florestas onde o grileiro não desmatou.
Os madeireiros determinaram os locais onde deveriam ser implantados os assentamentos. Caso exemplar é o processo em que a madeireira Precious Woods Belém Ltda. manifesta interesse pela criação de um assentamento e indica as coordenadas geográficas para tal.
Na área indicada pela madeireira suíça e em seu entorno, foi criado o gigantesco PDS Liberdade I, com 450.000 hectares, capacidade para 3.500 famílias, das quais 942, segundo o Incra, já estão assentadas. Porém, o que acontece é um perfeito caso de assentamento fantasma. A área é ocupada por florestas primárias e não há nenhuma das famílias "assentadas" em seu interior, mas apenas a madeireira em plena atividade.
A madeireira manda. Escolhe e determina, de acordo com a sua conveniência, o local do assentamento, o modo de uso da terra e o número de famílias que devem ser assentadas. Ao Incra resta acatar as determinações e providenciar o necessário à sua efetivação.

Compromissos de campanha
Ariovaldo Umbelino de Oliveira aponta também para o envolvimento do governo do estado do Pará. “A governadora Ana Júlia Carepa assumiu uma série de compromissos políticos com os madeireiros durante sua campanha eleitoral. Isso está fartamente registrado na imprensa do Pará e mostra uma articulação política a partir do Incra, do Ministério do Desenvolvimento Agrário e do governo do estado do Pará”, comenta o geógrafo.
O MPF também levantou fatos que sinalizavam o próximo envolvimento entre o governo estadual e as madeireiras. “Em meados deste ano, em ação civil pública do MPF, foi suspenso um acordo entre o Incra e a Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, pelo qual seria possível a exploração de madeira em assentamentos que não tivessem qualquer licença ambiental. Portanto, o governo federal deixa o assentamento inviável, mas a exploração de madeira nele é garantida. É a política de reforma agrária na Amazônia garantindo o estoque madeireiro das empresas, mas criando o minifúndio governamental e jogando a população rural em áreas onde a ocupação é inviável”, explica o procurador Braga.
A tomar pelas declarações de Valmir Ortega, secretário do Meio Ambiente do Pará, realmente, parece não haver lei – do céu ou da terra – que o governo estadual não esteja disposto a descumprir para que, de qualquer forma, seja liberada a exploração madeireira.

Maurício Torres é pesquisador e trabalha na região oeste do Pará.
Fonte: http://carosamigos.terra.com.br/nova/ed128/so_no_site_geral_torres.asp

Obs: Este artigo foi dividido em 3 partes, leia abaixo a terceira e ultima parte do mesmo.