21 novembro 2005

EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA PARA O DESENVOLVIMENTO LOCAL – I

Dion Márcio Carvaló Monteiro*
Mário Jorge Brasil Xavier
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1 – PREÂMBULO
Diversas ações têm demonstrado que um processo de desenvolvimento, especialmente aquele no qual se reivindica sustentabilidade, inicia-se a partir da implementação de políticas educacionais consistentes e inovadoras. Em 2002 um grupo de professores(as), técnicos(as), alunos(as) e lideranças comunitárias iniciaram uma importante experiência na região Oeste do Pará, mais especificamente na região Transamazônica. Essa experiência, implementada a partir dos recursos do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), foi batizada de Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica (ALFA-CIDADÃ), tendo como principal objetivo implementar um processo de alfabetização que propiciasse aos(as) trabalhadores(as) a possibilidade não só de escrever seu próprio nome, mas também de compreender a realidade em que viviam, e mais, que pudessem interferir nesta realidade, transformando-a. Um dos municípios participantes deste projeto foi Pacajá/PA, onde foi possível verificar como um processo de alfabetização, com uma perspectiva transformadora e dialógica, pode influenciar no desenvolvimento local.

2 – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A REGIÃO TRANSAMAZÔNICA
A substituição do regime democrático pelo regime totalitário, novamente imposto aos brasileiros pelos militares e seus colaboradores a partir do golpe de 1964, trouxe junto consigo a “Doutrina da Segurança Nacional”. Esta doutrina tinha nas forças armadas sua sustentação e procurava fortalecer o estado de exceção a partir, principalmente, dos seguintes elementos: (1) Repressão aos movimentos populares organizados, logicamente contrários à ditadura implementada; (2) Implantação de uma política que levasse a um grande crescimento econômico, sem haver, contudo, desenvolvimento econômico, pois não previa uma distribuição de renda; (3) Ocupação dos vazios geográficos, o que pode ser perfeitamente verificado a partir da máxima “integrar para não entregar”, muito utilizada na época pelos militares.
A implementação destes princípios levou a várias ações infra-estruturais e políticas, entre estas está a abertura da Rodovia Transamazônica ou Rodovia Mário Andreaza, ou ainda BR-230. Uma grande campanha publicitária foi feita procurando convencer os(as) brasileiros(as) a ocupar esta nova fronteira agrícola, campanha principalmente direcionada aos nordestinos, mas que alcançou também brasileiros e brasileiras de todo o território nacional.
Hébette (2002, p. 207) observa que as populações migrantes dos anos 70 do século XX serviram, sem saber, como instrumentos de ocupação de uma região pouco explorada e que, naquele momento, era foco de uma das mais fortes resistências ao regime totalitário, a Guerrilha do Araguaia.
Devido a esta compreensão político-desenvolvimentista vários problemas logo começaram a surgir e, a grande quantidade de recursos investidos na região na década de 1970 foi ficando cada vez menor, isto ainda antes do fim desta década, acentuando a compreensão dos(as) trabalhadores(as) rurais a respeito da necessidade de uma maior organização por parte destes.
É importante observar que este processo de organização/politização foi intensamente incentivado pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s) e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), ambas ligadas à Igreja Católica e influenciadas pela Doutrina da Teologia da Libertação, sendo esta ação incrementada já a partir do final dos anos 70, início dos anos 80, antes mesmo do retorno ao regime democrático, em 1985.
Neste momento vale ressaltar que já existiam alguns sindicatos de trabalhadores rurais (STR’s) na região, mas que suas direções estavam todas comprometidas com os dirigentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), instituição dirigida naquele momento pelo governo militar.
Com uma participação cada vez mais intensa, os movimentos sociais organizados passaram a ter grande influencia sobre os(as) agricultores(as), criando novas perspectivas nas relações de poder local. Com a abertura democrática este processo avançou mais ainda, passando as lideranças dos(as) trabalhadores(as) não só a ter influencia em suas organizações, mas nas ações do próprio governo, algumas vezes através das negociações e outras a partir de ações mais intensas como a realização de atos públicos e até mesmo ocupações de prédios governamentais.
3 – EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO LOCAL EM PACAJÁ/PA
É com base no anteriormente exposto que vai se dar a consolidação do processo de ocupação desta parte da região Oeste do Pará, o que com o passar do tempo permitiu o surgimento de vários municípios, entre estes o município de Pacajá, localizado a 578Km de Belém, isto ao ser considerada a distância via Rodovia Transamazônica e, rodovias complementares, até a capital do estado (Oliveira, 1992, p. 66).
A abertura da BR-230, bem como a construção da ponte sobre o Rio Pacajá, fizeram com que fosse necessário ser instalado um ponto de apoio aos trabalhadores que estavam executando as referidas obras, desta forma, começaram a surgir às proximidades pequenos armazéns, principalmente destinados à venda de alimentos, entre outros bens necessários à sobrevivência das pessoas que estavam acampadas naquele ponto. Com o passar do tempo novas famílias foram chegando, trazidas pela promessa do governo militar a respeito da distribuição de terras a todos aqueles que quisessem trabalhar e colonizar aquela região.
A vila de Pacajá, nome pelo qual esta área ficou conhecida devido à existência do citado rio, pertencia ao município de Portel, porém as grandes distâncias desta vila em relação ao centro urbano do referido município, além das próprias dificuldades de acesso e interesse político, faziam com que a infra-estrutura disponível fosse bastante precária.
Os Projetos de Assentamento (PA’s) criados na área pelo INCRA logo deixaram de receber recursos, como já foi anteriormente observado, ocasionando sérias dificuldades aos(as) agricultores(as) ali assentados(as). Esta situação incrementou o interesse dos moradores quanto à emancipação política da vila, o que ocorreu no dia 10 de maio de 1988 através da Lei n°5.447/88.
A partir deste processo de emancipação, ocorreu também uma incrementação no que diz respeito aos movimentos sociais no município, com a criação dos STR’s locais e de outras organizações, principalmente aquelas que representavam a luta pela terra. Esta pressão social levou ao surgimento de novos PA’s, com a abertura de novas linhas de crédito para os(as) agricultores(as). Mas é também um momento no qual se intensificam os conflitos entre posseiros, fazendeiros e grileiros.
Nos anos de 1990 os movimentos sociais já estavam razoavelmente organizados neste município, tendo ocorrido também neste período um desenvolvimento na pecuária e na agricultura, mais especificamente em relação às culturas do cacau, pimenta-do-reino, café e cupuaçu. A nível regional dava-se a consolidação do Movimento Pela Sobrevivência na Transamazônica (MPST), atualmente Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), consolidando a compreensão dos colonos quanto à necessidade da manutenção e intensificação da luta pela terra, garantindo a permanência na região e a continuidade das ações reivindicatórias e propositivas (Pereira, 1991).
Nos anos 2000 chegaram a Pacajá grandes madeireiros e grileiros, agravando-se mais ainda a disputa pela posse da terra. Esta situação vai levar a necessidade de uma intervenção por parte dos órgãos governamentais e a implementação de políticas específicas que possam contribuir com a superação deste problema. Porém, a atual realidade dos(as) trabalhadores(as) rurais mostra que naquela região esta ação, necessária, ainda é muito pouco eficaz, senão inexistente, o que vai fazer com que os movimentos sociais continuem, até hoje, a denunciar esta questão.
Uma parceria realizada entre o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e a Fundação João Pinheiro, entidade ligada ao Governo de Minas Gerais, originou o Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Este estudo, feito a partir dos dados dos censos de 1991 e 2000, realizados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontou a situação de 5.507 municípios existentes no país, entre estes o município de Pacajá/PA.
A referida pesquisa demonstrou que no ano 2000 Pacajá tinha uma população de 28.888 habitantes, sendo que 26,32% (7.604 habitantes) encontravam-se na zona urbana. Porém, a maioria absoluta dos munícipes estava localizada na zona rural, com um total de 73,68% (21.284 habitantes). Neste período, o censo populacional indicou que o conjunto dos habitantes do município correspondia apenas a 0,47% da população do Estado do Pará.
Em relação ao quesito renda, apontou o Atlas que 20% da população (de maior poder econômico) apropriaram-se de 77,8% de toda a renda gerada no município, enquanto que 80% da população (de menor poder econômico) apropriaram-se de apenas 22,2% desta renda. O trabalho indicou ainda que, em 2000, 77,7% das crianças do município estavam vinculadas a famílias que possuíam renda mensal inferiores a ½ salário mínimo.
Quanto ao nível educacional o estudo mostrou que em 2000, na faixa etária de 18 a 24 anos, o município de Pacajá apresentava uma taxa de analfabetismo de 11,9%, porém esta taxa aumentava para 39,1% quando eram consideradas pessoas na faixa etária de 25 anos ou mais. Outra importante informação proveniente desta pesquisa é que, quando se considera apenas a Microrregião Altamira/PA
[1], verifica-se que em 1991 Pacajá ficou em último lugar em relação à taxa de alfabetização, apresentando uma taxa de analfabetismo de 48,44%, considerando-se pessoas com 15 anos de idade ou mais. Em 2000 esta situação melhorou, porém o município ainda apareceu em antepenúltimo lugar, com uma taxa de analfabetismo de 29,47%, considerando a mesma faixa etária, tendo ficado apenas à frente dos municípios de Senador José Porfírio e Anapú.
A grande quantidade de problemas sociais verificados no município de Pacajá, refletindo uma situação que é comum em todo o Estado do Pará, também vai ser um dos fatores que levaram ao fortalecimento e consolidação das organizações dos moradores deste município, sendo a educação do campo um dos principais temas. Um importante exemplo desta priorização é a existência da Casa Familiar Rural (CFR) de Pacajá, utilizando a pedagogia da alternância
[2] como forma de construir um ensino diferenciado voltado aos(as) trabalhadores(as) e filhos(as) de trabalhadores(as) rurais, isto a partir de temáticas direcionadas para a realidade deste público alvo.
Nos próximos números da revista serão abordadas as concepções filosóficas e pedagógicas do Projeto Alfabetização Cidadã na Transamazônica – ALFA-CIDADÃ, além dos primeiros resultados verificados no Município de Pacajá/PA a partir da implementação deste projeto, que hoje já se transformou em um Programa da Universidade Federal do Pará.







BIBLIOGRAFIA
ATLAS do desenvolvimento humano no Brasil. Brasília: PNUD/IBGE, 2003. Disponível em: <
http://www.pnud.org.br/defaut1.asp?par=1 >. Acesso em 22 de dezembro de 2003.
HÉBETTE, Jean. Reprodução social e participação na fronteira agrícola paraense: o caso da Transamazônica. p.205-231. In: HÉBETTE, Jean. MAGALHÃES, Sônia Barbosa. MANESCHY, Maria Cristina (org.). No mar, nos rios e na fronteira: faces do campesinato no Pará. Belém: EDUFPA, 2002.
OLIVEIRA, Elias Soares. Pacajá e sua história. Pacajá/PA: SEMEC-TUR, 1992.
PEREIRA, João Batista Uchoa. Breve histórico e contexto atual da região da Transamazônica. Altamira/PA: Fundação Viver, Produzir e Preservar – FVPP, 1991 (mimeo).
* Economista, Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento – PLADES/NAEA/UFPA e Professor da UNAMA. E-mail: dion@ufpa.br
** Cientista Social, Mestre em Antropologia – UFPA e Professor do UEPA. E-mail: mjbrasil@uol.com.br
[1] A Microrregião Altamira/PA é composta pelos municípios de Altamira, Anapú, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu.
[2] Nesta concepção os(as) alunos(as) ficam uma (01) semana na CFR e duas (02) em suas residências/lotes. Quando estão na CFR os(as) aluno(as) discutem coletivamente os problemas que identificam em suas residências/lotes e em suas comunidades, participam de debates, palestras, reuniões, além de receberem educação geral e visitarem as experiências agrícolas próximas (intercâmbio). Quando estão nas residências/lotes estes(as) procuram aplicar, na prática, todos os conhecimentos que adquiriram na CFR, interagindo com suas famílias e com a comunidade, procurando contribuir com a solução dos problemas coletivos, além de receber a visita dos monitores da CFR. Também é importante ressaltar que a administração da CFR é feita pelas próprias famílias dos(as) alunos(as).