21 novembro 2005

PARA PENSAR A ECONOMIA SOLIDÁRIA

Dion Márcio Carvaló Monteiro*

O elevado índice de desemprego causado, entre outros fatores, pela nova situação tecnológica mundial, representando o desemprego estrutural, vai levar à necessidade de uma organização dos trabalhadores em outras bases produtivas e de gestão, buscando, a partir deste momento, criar seus próprios mecanismos de cooperação e desenvolvendo ações que gerem alternativas de trabalho e renda.

O paradigma da economia solidária vai procurar mostrar que, a partir de relações sociais coletivas, unindo as diversas concepções e saberes da sociedade, sem desconsiderar contudo a existência das compreensões individuais, pode-se implementar mecanismos de geração de renda e apoio mútuo, garantindo-se assim conquistas que os grupos economicamente menos favorecidos não conseguiriam obter caso atuassem de forma isolada.

A concepção de economia solidária pensada é aquela que ultrapassa os limites do economicismo, indo além da questão do mercado de trabalho. Assim, compreende-se uma socioeconomia solidária, onde os princípios de solidariedade na sociedade devem ser vinculados a uma vontade determinada e consistente por parte de cada uma das pessoas no sentido de que se garanta uma unidade coletiva, tanto no que diz respeito as questões econômicas, como no que se refere as questões sociais.

Orgânica e planejadamente trabalhados, os empreendimentos autogestionários têm a possibilidade de garantir metas traçadas, isto a partir do desenvolvimento de atividades em que predomine a ação compartilhada, de uma forma onde cada segmento funcione como uma engrenagem no processo de produção e cooperação. Desta maneira, cada uma das partes continua com a mesma autonomia que possuía antes, porém, seus objetivos precípuos são a garantia do funcionamento coletivo.
Aqueles que vão compreender a necessidade de trabalhar de forma conjunta, aproveitando as experiências e conhecimentos adquiridos pelos trabalhadores, passam a implementar ações nesta perspectiva, tomando como base diversas formas de organização. Entre estas modalidades estão as cooperativas e associações, empreendimentos específicos que possuem regulamentação própria e apresentam uma série de diferenças legais quando comparados com outras iniciativas.

Compreende-se que as próprias contradições existentes no modo de produção dominante, levando às crises cíclicas deste sistema, vão também oportunizar o surgimento de organizações pautadas por novos princípios, diferenciados daqueles que servem como parâmetros no capitalismo (SINGER, 2002). Nesta outra concepção fatores sócio-econômicos e ambientais serão considerados como precípuos na definição dos rumos que estes empreendimentos e seus participantes irão tomar.

Estas referidas contradições terão suas avaliações aprofundadas por CATTANI (2003), afirmando este autor que o modelo capitalista apresenta três principais obstáculos, sendo estes: (1) Alienação e espoliação coletiva dos trabalhadores, que ficam sujeitos a ritmos de produção crescentes em busca de uma acumulação cada vez mais intensa; (2) Concentração da renda e da riqueza, em um processo de incrementação das desigualdades sócio-econômicas e (3) Verifica-se um padrão de uso dos recursos naturais totalmente insustentável, causando grandes prejuízos ambientais e sérios riscos à sobrevivência do planeta.

Assim, considerando principalmente este último ponto, observa-se que os grandes conglomerados industriais, altamente concentradores em relação a seus processos produtivos, dissipam uma grande quantidade de energia e detritos no ecossistema, geralmente em uma área territorial reduzida, que sofre todas as conseqüências dos dejetos produzidos por estes referidos empreendimentos. Por outro lado, observa-se que pequenas unidades produtivas, menos concentradoras de matéria e energia, causam menores problemas ambientais, pois terão mais controle sobre seus resíduos, bem como terão mais preocupação em recolhê-los, principalmente devido a estes estarem localizados geralmente em áreas que vão servir como residência ou local de trabalho e, não em espaços distantes de seu uso cotidiano.

Outra relevante questão relaciona-se ao fato de que os empreendimentos econômicos solidários precisam tanto desenvolver seus princípios, quanto se desenvolver enquanto organização no competitivo mundo capitalista, isto sem sucumbir às armadilhas que este sistema impõe e que, comumente, leva a um processo de espoliação e alienação dos trabalhadores, conforme pontua o professor Cattani.

A resposta a esta questão está relacionada ao processo de autogestão, antiga forma de organização que pode ser verificada em vários momentos históricos, como nos antigos falanstérios, nas Comunas de Paris, nos sovietes e em outras experiências urbanas e rurais em diversas regiões do mundo (ALBUQUERQUE, 2003).

Enquanto fator de organização, verifica-se no conceito de autogestão o caráter social e político do empreendimento. Desta forma, considera-se a existência de relações totalmente opostas àquelas vigentes no atual modo de produção capitalista, onde a heterogestão (administração diferenciada e hierarquizada) é a determinante. Ao contrário, no processo da autogestão não existe diferenciação entre os participantes do empreendimento, sendo todos responsáveis, de forma coletiva, pelos caminhos que serão definidos.

Nesta concepção o trabalhador não mais assume o caráter de empregado, daquele que “apenas” é detentor do fator trabalho, do espoliado de capital. Nesta etapa o associado passou a ser proprietário também dos meios de produção, das máquinas e equipamentos, sendo este o principal elemento diferenciador em relação ao modo vigente. Assim, este trabalhador terá que realizar tarefas operacionais e administrativas, algumas vezes como o próprio administrador e outras como alguém que precisa estar acompanhando tudo o que ocorre no empreendimento para poder contribuir concretamente com o desenvolvimento deste.
Esta nova realidade não é fácil. Muitos sentem falta dos dias em que apenas precisavam cumprir horário na empresa, quando não tinham que ficar preocupados com o setor financeiro, de recursos humanos, almoxarifado, etc., apesar de sempre serem os primeiros a sofrer as conseqüências quando a empresa não estava bem financeiramente, pois, como se sabe, logo eram demitidos.

No processo de autogestão o trabalhador precisa estar disposto a dedicar-se ao empreendimento coletivo, fazendo com que este seja bem sucedido, pois, ao contrário, todos os participantes desta organização serão prejudicados. Esta dedicação, que muitas vezes requer certos “sacrifícios”, relaciona-se a disponibilizar uma parte de seu tempo à construção do empreendimento, procurando conhecê-lo melhor, pesquisando sobre novas formas de organização e gestão, bem como sobre os processos de consolidação da democracia interna e compartilhamento de responsabilidades.

Enquanto fator de gestão, observa-se o caráter econômico e técnico destes empreendimentos autogestionários. Assim, não se pode esquecer que, seja uma cooperativa, uma associação de produtores, um empreendimento familiar, uma micro empresa, etc., o empreendimento vai estar inserido, como já foi afirmado, no sistema capitalista e, precisará sobreviver nele, sem contudo trilhar o mesmo caminho que este sistema segue, tanto no que diz respeito ao seu padrão de acumulação, quanto nos elementos que vão levar a um processo de heterogestão do empreendimento.

Construindo-se dentro de novos princípios e valores, deve este ser pautado pelos fundamentos da decisão democrática e coletiva, já avaliadas, mas também da distribuição igualitária da renda gerada no referido empreendimento solidário. Aqui é importante compreender que este empreendimento será tanto mais solidário quanto mais as decisões forem coletivas, as responsabilidades compartilhadas e a renda dividida igualmente.

Ainda em relação à gestão administrativa e tecnológica, torna-se fundamental que os sócios assumam suas atividades com dedicação e responsabilidade ainda maior do que assumiriam em qualquer empreendimento capitalista, isto simplesmente porque neste momento os produtos e resultados não serão mais apropriados por um ou por poucos, mas por todos. Planejamento, acompanhamento e avaliação precisam fazer parte da rotina deste tipo de organização, principalmente ao considerar-se que esta necessita dar respostas imediatas e muito mais consistentes para poder continuar existindo.

Responsabilidades com o cumprimento das tarefas, horários acordados, qualidade do produto ou serviço disponibilizado bem como seus resultados, são elementos determinantes ao bom andamento da gestão administrativa e tecnológica desta proposta solidária e coletiva. Precisam também ser pensados indicadores que auxiliarão no referido processo de avaliação, possibilitando assim que se tenham parâmetros mais concretos no que diz respeito a uma análise de desempenho, obtendo elementos que indicarão se o mesmo está sendo pautado pelos pressupostos da economia solidária, tanto internamente quanto externamente, na relação deste com outras organizações populares, movimentos sociais ou governos.



BIBLIOGRAFIA:
ALBUQUERQUE, Paulo Peixoto de. Autogestão. p.20-26. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.
SINGER, Paul. Introdução à economia solidária. São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2002.CATTANI, Antonio David. A outra economia: os conceitos essenciais. p.09-14. In: CATTANI, Antonio David (org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz Editores, 2003.
* Economista da COOPENSAR, Mestrando em Planejamento do Desenvolvimento e Professor da UNAMA.