Ainda que o número não chegue nem perto dos que seguem Nossa Senhora de Nazaré em outubro, em Belém, os que tentam compreender o modelo de ocupação da Amazônia estão carecas e barrigudos de saber que a equação é cruel. Um saque. Em que se capitalizam as riquezas e se socializam os mais variados passivos sociais e ambientais. Numa linguagem mais accessível, miséria.
Desde os militares a promessa de arrancar a fórceps a região das “trevas” ilumina discursos e slogans. Na derradeira semana de fevereiro uma exuberante fauna de atores deu o pontapé inicial no debate sobre uma perspectiva de ocupação de parte do território degradado nas terras dos Carajás, que compreende Maranhão, Pará e o Tocantins. Lá no Bico do Papagaio. Uma terra amansada no cano do trinta e oito, público e privado.
Além de representações do governo federal e estadual, predominou a presença dos agentes envolvidos na cadeia da siderurgia: produtores de carvão, dirigentes do setor siderúrgico e a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Ainda que em minoria, uns pingados felinos do movimento social estiveram no debate.
A sugestão da saída da situação medieval imposta sob a régua e compasso dos grandes projetos na região, onde um dos vetores de propulsão tem sido a siderurgia, é a efetivação de um distrito florestal. Na proposta da CVRD, a homogeneização de plantio de árvores exóticas (eucalipto) é a redenção para colorir a aquarela de destruição ambiental e degradação humana. A fala do diretor da CVRD é como se a companhia não tivesse colaborado com os tons sombrios da paisagem.
O setor que ajudou a impulsionar a economia norte americana no século XIX, a siderurgia, surgida lá no século VII, cimentou uma cadeia produtiva do crime organizado do trabalho escravo nas terras dos Carajás no século XX. Uma das chagas da ocupação marcada pelo autoritarismo e o patrimonialismo. Vertente que concentrou terra e renda. Um fruto do enlace do Estado com o capital privado nacional e internacional.
No complexo tapete que conforma a região de Carajás, inúmeras redes econômicas, sociais e culturais esgrimam na disputa de definição do uso dos recursos naturais e do território. Uma possibilidade para se observar a proposta do distrito pode ser por tal viés.
No atual xadrez da região os projetos de assentamento rural predominam com pouco mais de cinqüenta por cento. Há ainda terras indígenas e reservas ambientais e minerais. Seguido por latifúndios com mais de dez mil hectares, que ocupam trinta e poucos por cento.
É justo com o setor que a CVRD deseja fazer par. Ainda que o coração da companhia pulse pela responsabilidade social. Assim, a principio, caso se efetive tal ângulo, teríamos a legitimação de extensas áreas improdutivas. O representante da companhia proclamou que uma floresta de eucalipto já existe no Maranhão.
Só não informou que a mesma resultou de um projeto que visava a produção de papel celulose. E que por conta de sinal negativo do parceiro estrangeiro não vingou. Nem mesmo pontuou que a exótica floresta subjugou sem dó ou piedade o cerrado maranhense, que ainda padece com a monocultura da soja e os fornos “rabo quente” das carvoarias.
Outros projetos com a mesma envergadura, ou maior ainda, espocam dos computadores de última geração das grandes companhias nacionais e internacionais. Uma estrutura logística que aperta o cerco contra camponeses, indígenas, e outras modalidades de populações tradicionais da região.
A exemplo do transporte multi-modal, hidrovias, ferrovias, rodovias, das monoculturas e hidrelétricas. Se a minha muscular miopia não me trai, o mesmo filme já esteve em cartaz décadas atrás, onde se lia Programa Grande Carajás (PGC). A diferença talvez resida na nova geopolítica, no papel do Estado e no recente estágio do capitalismo, em uma outra modalidade de divisão internacional do trabalho.
E mesmo no mapa social da região que, a contragosto de muitos, registra ainda a presença de camponeses, indígenas, pescadores e extrativistas. Como que se exclamassem: a coisa pode ser diferente. Ói nós aqui. Feito bambu, que verga, mas não quebra.
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