08 março 2007

Mulheres Camponesas na Luta por Soberania Alimentar, contra o Agronegócio

Todo o ano é assim. Chega o 8 de Março e se multiplicam as manifestações pelo Dia Internacional da Mulher. No campo dos movimentos sociais sempre são atos de luta ou protesto. É que não há coisas a comemorar. O que se faz, então, é refletir sobre a realidade feminina, sempre tão relegada num mundo dominado pela lógica patriarcal (espaço do macho provedor). Um segmento que não foge a esse compromisso é o das mulheres camponesas. Elas sempre fizeram suas lutas específicas, como agricultoras e como mulheres, mas nunca deixaram que o particularismo do gênero ou da categoria apagasse a luta maior, que é a da classe trabalhadora e da comunidade das vítimas do sistema-mundo consubstanciado no modo de produção capitalista. Por isso, todo 8 de Março elas botam a cara na rua, a dizer ao mundo: existimos, estamos em luta e queremos nosso espaço de liberdade.
Não é sem razão que este ano a discussão do 8 de Março levantada pelo Movimento de Mulheres Camponesas está visceralmente articulada com a Campanha Nacional pela Produção de Alimentos Saudáveis, que ganha contornos mundiais a partir da Via Campesina (movimento de articulação dos movimentos camponeses de todo o planeta). Porque comida sadia significa cuidado com a vida e com a natureza. E, sendo assim, inclui, na mesma luta, toda a vida que vive.
Essa capacidade de articular o singular (sua condição específica) com o universal (toda a gente) é o que torna o Movimento das Mulheres Camponesas uma referência no que diz respeito às lutas no Brasil. Desde há 24 anos que mulheres agricultoras de todos os cantos do país iniciaram uma caminhada rumo a conquistas até então impensáveis como o reconhecimento profissional e direitos trabalhistas, entre eles o salário-maternidade e a aposentadoria. Nesta batalha por questões pontuais, as mulheres foram se reconhecendo como força, capaz de provocar outras mudanças, muito mais profundas.
Hoje já estão organizadas em 19 dos 26 estados brasileiros e realizaram seu primeiro congresso nacional em 2004, articulando a pluralidade das mulheres, respeitando as diferenças e unificando o movimento sob uma única bandeira. Desde então, quilombolas, indígenas, ribeirinhas, quebradeiras de coco, agricultoras familiares, pescadoras artesanais, enfim, todo o universo das mulheres cultivadoras, caminham juntas para transformar a sociedade, em busca de um mundo justo e de riquezas repartidas. E fazem isso sem nunca esquecer sua condição feminina, que muito mais enriquece a arena das lutas.
Pois neste oito de março de 2007, as mulheres ligadas ao MMC estão em luta pela alimentação saudável. E isso não quer dizer apenas que elas tenham em sua pauta de reivindicações a afirmação do Projeto de Agricultura Camponesa, construído em comunhão, nestes anos todos de caminhada. Junto com a idéia de reforma agrária, uma agricultura de auto-sustento, que respeita a terra, que busca formas alternativas de energia, que valoriza o trabalho coletivo e o respeito entre os seres que vivem, as mulheres do campo querem discutir a soberania alimentar, as relações sociais, as relações de poder que dão primazia do controle da vida ao homem, o domínio do agro-negócio que expulsa o camponês e só tem olhos para o mercado exportador, a violência contra a natureza, a falta de uma reforma agrária. Ou seja, trazem dentro do seu caldeirão de esperanças, uma diversidade de temas polêmicos totalmente ligados a vida de cada ser neste país e neste mundo.
Ao trazer para a luz a discussão de uma alimentação saudável, as mulheres do campo querem entrar na cidade e sentar à mesa com as mulheres urbanas. Pois é, afinal, na mesa, que se consagra o milagre da fome saciada. É ali que se depositam os produtos cultivados por homens e mulheres nos fundões da terra, gente que nunca é percebida por quem come o que está na mesa transformado em comida, mas que, se não existisse, quanta falta faria. As mulheres camponesas querem olhar nos olhos das mulheres urbanas, tocar-lhes as mãos, abraçar-las, rir com elas. Chorar, quem sabe. Compartilhar a vida. Fazer-se conhecer. Estabelecer uma relação de amor. Para que todas saibam que umas não vivem sem as outras. Que todas fazem parte de um grande e infinito cordão alimentar. A que produz e a que dá de comer.
É por isso que a proposta deste dia da mulher vai mais longe que um protesto ou um ato público. Ela é comunhão! As mulheres do campo chegarão às capitais de todos os estados e se sentarão à mesa com as famílias urbanas. Dormirão nas suas casas, viverão um dia de partilha. E, para que o mundo trema: contarão segredos umas às outras. Segredos de força, de união, de encontros, de mudanças, de possibilidades, tal qual nos antigos tempos em torno da fogueira ancestral. Depois, nascerão os frutos que virão em forma de luta conjunta, não só pela comida saudável, mas por uma outra sociedade, em que a mulher será igual em poder e direitos. Por um mundo em que o mercado não seja a medida de todas as coisas e que a ciência possa ser aproveitada para o bem de todos e não só de alguns. Um mundo em que as pessoas cuidem do planeta. Mas não com o discurso ideológico do chamado desenvolvimento sustentável. Que esse cuidado vingue em forma de uma nova sociedade, com outros valores, outras medidas.
Em Santa Catarina mais de 500 mulheres camponesas entrarão na capital com suas mochilas, sacos de dormir e sementes. Elas virão para um encontro único, com mulheres trabalhadoras de vários bairros da periferia de Florianópolis. Vão fazer debates, conversas e atos públicos. Chegam no dia sete e parte no dia nove. Elas ainda nem sabem, mas também levarão sementes. Sementes das lutas cotidianas das mulheres da cidade que não plantam a comida de todos, mas que, com suas mãos, guerreiras e ágeis, abrem caminhos para esse novo amanhã tão sonhado. As mulheres do campo entrarão na cidade... E as mulheres urbanas estarão esperando, braços abertos. Depois, talvez, nada mais seja como antes!

Elaine Tavares é jornalista no OLA
Fonte: http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=2954