25 março 2007

Documentário aborda trabalho escravo e conflitos de terra no Pará

"Nas Terras do Bem-Virá", que estréia segunda-feira (26[março/07]) no festival É Tudo Verdade, mostra através de depoimentos e histórias de vida a situação de afronta aos direitos humanos e à floresta amazônica paraense.

O Pará é o campeão brasileiro em trabalho escravo: só em 2006, fiscalizações do governo federal libertaram no estado 1.180 trabalhadores da escravidão - desde 1995, quando elas começaram, foram 8.177 libertações ali: 36,5% do total.
O estado também está em primeiro lugar nos rankings de desmatamento ilegal e de conflitos de terra - segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT), respectivamente. Estes dados ganham vida e mostram relações estreitas no longa-metragem "Nas Terras do Bem-Virá", que estréia no festival É Tudo Verdade na segunda-feira (26) em São Paulo (SP), e no dia 28 no Rio de Janeiro (RJ). Histórias de peões, imagens de arquivo, depoimentos de autoridades e pessoas de movimentos sociais que atuam na região costuram a teia de conflitos e desrespeito ao meio-ambiente e aos direitos humanos no estado.
Segundo documentário do diretor Alexandre Rampazzo e da produtora Tatiana Polastri, o filme acompanha alguns trabalhadores desde as suas saídas de casa, em cidades pobres do Nordeste, até a chegada ao Pará, invariavelmente esperançosos com as promessas do "gato" (aliciador de mão-de-obra a serviço do fazendeiro). Outros peões são retratados pelas câmeras de Alexandre no momento em que uma ação dos grupos móveis de fiscalização chega para libertá-los - e então demonstram toda a decepção de quem descobriu que a empreita nas carvoarias ou fazendas não era nada do que lhes foi prometido.
O filme também se preocupa em demonstrar que a situação atual do Pará remonta à ditadura militar, tempo de uma campanha pelo desenvolvimento da Amazônia - "terra sem homens para homens sem-terra" - que promoveu a migração e a concentração fundiária a despeito de uma defesa do meio-ambiente e das populações mais pobres. E sugere o quanto os peões de hoje tendem a cair ciclicamente na rede da escravidão, enquanto uma mudança estrutural na divisão das terras e no modelo excludente de agronegócio não acontece.
O diretor revela um mecanismo comum que desencadeia conflitos de terra: muitos peões, cansados de ter patrão, entram na luta para conquistar seu próprio chão e viver dignamente, ou, outros, posseiros, índios e ribeirinhos que viram suas casas varridas por grileiros virar pasto, começam a brigar para reconquistar a base de seu sustento. Um dos mais famosos desses confrontos, o Massacre de Eldorado dos Carajás, de 1996, é revisitado, em imagens e depoimentos.
"Nas Terras..." chega também a Anapu, no norte do Pará, onde a freira Dorothy Stang foi assassinada em 2004 a mando de fazendeiros locais. "Quando vemos na televisão o caso da Dorothy, de Eldorado dos Carajás ou de uma fiscalização, eles parecem fatos isolados. E nós juntamos tudo para mostrar que estão relacionados", comenta a produtora Tatiana. O filme termina ressaltando a importância dos que dão a vida pelas causas da floresta e de seu povo, indo contra interesses de grandes latifundiários e poderosos regionais: "mais de 100 pessoas estão ameaçadas de morte hoje no Pará. Dez delas aparecem no filme", diz o letreiro branco em fundo preto ao final da exibição.

Pesquisa e intenções
A pesquisa que gerou o filme começou em 2004, depois de um seminário do frei Xavier Plassat - coordenador nacional de trabalho escravo da CPT. Em agosto de 2005, a equipe ficou quase quatro meses no Pará, contabilizando mais de 150 horas de filmagem. Além disso, utilizaram imagens de arquivo, de Eldorado dos Carajás, da irmã Dorothy e até de propagandas da época da ditadura.
A dupla Alexandre e Tatiana leva pela segunda vez uma produção conjunta ao É Tudo Verdade. O documentário produzido anteriormente, Ato de Fé, sobre o envolvimento dos dominicanos na luta armada durante a ditadura militar, foi exibido no festival em 2005. Quanto à Nas terras..., ainda não há previsão de entrada em circuito comercial.
Tatiana defende que o longa-metragem, narrativo e didático, pode atingir trabalhadores da região e contribuir para a erradicação da escravidão de hoje. "Mas o filme é também para as pessoas que estão em São Paulo, no Rio ou na Europa, que nunca pararam para pensar que elas também contribuem para essa situação comprando produtos com mão-de-obra escrava. A gente sempre quer o mais barato, não importando de onde veio a mercadoria", ressalta.

Ficha Técnica
Nas terras do Bem-Virá
Documentário, Brasil, 2007.
Duração: 110 minutos
Direção: Alexandre Rampazzo

Produção: Tatiana Polastri

Por Beatriz Camargo – Repórter Brasil
Fonte: http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=960

Foto: Reproduzida da fonte acima observada (Fiscalizações do trabalho do governo federal já libertaram 8.177 peões da escravidão no Pará).