19 julho 2007

Continuam presos 14 cortadores de cana da Destilaria Araguaia

Em pronunciamento à Conferência Internacional sobre Bio-combustíveis, na sede da Comissão Européia, em Bruxelas, no dia 4 de julho, o presidente Lula defendeu ardorosamente o etanol e tentou rebater as críticas ao programa brasileiro. Uma das críticas mais comuns é de que a ampliação da produção brasileira de etanol poderá acelerar o desmatamento da floresta Amazônica. O presidente respondeu a crítica afirmando “que apenas 0,4% do território brasileiro é usado para a plantação de cana-de-açúcar”. "E fica muito distante da Amazônia, região que não se presta para o cultivo da cana". "Se a Amazônia fosse importante para plantar a cana, os portugueses que a introduziram no Brasil a tantos séculos atrás, já teriam feito e levado para lá." (Da Agência Estado)
Infelizmente o presidente não deve ter sido informado de que poucos dias antes, no dia 30 de junho, o Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) flagrara e libertara 1108 trabalhadores que se encontravam em condições análogas à escravidão, na fazenda Pagrisa (Pará Pastoril e Agrícola S.A.), no município de Ulianópolis (PA), a 390 km de Belém, que produz cana. Foi a ação com o maior número de trabalhadores libertados desde a criação do grupo.
Também o presidente não foi informado de que 14 trabalhadores da Destilaria Araguaia, município de Confresa, no Estado de Mato Grosso, estavam presos desde o dia 23 de junho, no presídio de Porto Alegre do Norte, MT. Os trabalhadores foram presos após manifestação nas dependências da destilaria pelo atraso no pagamento de seus salários.
Só estes dois fatos mostram que na Amazônia se desenvolve e cresce o cultivo de cana, com produção de açúcar e de álcool. Mas além disto estes fatos deixam claro em que condições os trabalhadores são tratados pelas empresas.
Passados mais de 20 dias, os trabalhadores da Destilaria Araguaia continuam presos, por terem ateado fogo em pneus, durante a manifestação, e incursos no artigo 202 do Código Penal, acusados de invasão de estabelecimento industrial com a finalidade de paralisar suas atividades.
A Destilaria Araguaia é a mesma destilaria Gameleira que no ano passado trocou de nome e de razão social, na expectativa de limpar sua imagem depois de sucessivas ações do Grupo Móvel do Ministério do Trabalho que encontrou e libertou centenas de trabalhadores em situações análogas ao trabalho escravo. A esta destilaria pertencia o recorde anterior de libertação de trabalhadores, quando em junho de 2005, 1003 trabalhadores foram resgatados pelo Grupo Móvel. Á reinauguração, ou melhor, à troca de razão social para continuar recebendo financiamento público e vendendo álcool à Petrobrás, compareceram dois governadores, o do Mato Grosso, Sr. Blairo Maggy, e o de Pernambuco, Sr. Jarbas Vasconcellos.
Mas mesmo que na Amazônia não se produzisse cana-de-açúcar, a expansão do etanol se torna responsável pela manutenção de altos níveis de desmatamento da região. Diversas reportagens de importantes órgãos da imprensa nacional têm demonstrado que o preço da terra tem tido um aumento considerável devido à intensa procura em estados do Sudeste brasileiro para o cultivo de cana-de-açúcar. Áreas destinadas a pastagens estão se transformando rapidamente em canaviais empurrando os criadores de gado para áreas mais baratas na Amazônia.
Pesquisa realizada neste mês de julho pelo geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves da Universidade Federal Fluminense (UFF), no município de Luciara, MT, mostrou a repercussão de como este deslocamento se faz sentir na região. O valor do arrendamento de pastagens teve, no último ano, um aumento que variou entre 25 e 30%.
A política do governo federal é de total apoio ao agronegócio, com destaque particular nos últimos meses, ao etanol. Esta política reforça sobretudo os usineiros, que no início deste ano foram qualificados de heróis pelo presidente Lula, e deixa em situação cada vez mais precária os trabalhadores. A prisão dos 14 cortadores de cana da Destilaria Araguaia é o sinal claro de que não vão se tolerar ações de trabalhadores mesmo as que reivindiquem direitos, por mais simples que sejam, que possam paralisar ainda que momentaneamente as atividades da empresa. Até o dia 19 de julho os trabalhadores continuam presos.

Goiânia, 19 de julho de 2007

Antonio Canuto
Secretário da Coordenação Nacional da CPT

Carlos Walter Porto-Gonçalves
Geógrafo e Pesquisador do LEMTO-UFF

Assessoria de Comunicação
Comissão Pastoral da Terra
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