Representantes de 22 povos indígenas de diferentes pontos da Amazônia brasileira se reuniram no mês passado em Macapá, no Amapá, para trocar experiências, idéias e informações relativas às atividades de pesquisa que cada povo tem realizado para proteger e fortalecer suas culturas e conhecimentos tradicionais. A reunião ocorreu por ocasião do seminário “Experiências Indígenas de Pesquisa e Registro de Conhecimentos Tradicionais”, promovido pela Rede de Cooperação Alternativa Brasil (RCA-Brasil) entre os dias 18 e 23 de junho. O encontro reuniu representantes dos povos Aparai, Galibi-Marworno, Gavião, Ikpeng, Kaiabi, Karipuna, Katukina, Kaxinawa, Kaxuyana, Krahô, Marubo, Panará, Terena, Tiriyó, Tukano, Wajãpi, Wayana, Tuyuka, Yanomami, Yawanawa e Baniwa e de suas respectivas organizações e associações.
Os relatos feitos pelos participantes do seminário demonstraram a variedade das experiências que vêm sendo desenvolvidas em diferentes regiões do País e os diversos modos que os povos indígenas estão se apropriando de ferramentas tecnológicas e de metodologias científicas nas diferentes realidades, constituindo, assim, jeitos específicos de se conceber e fazer “pesquisa indígena”. Investigações feitas por professores e alunos, pesquisas para a formação de agentes de manejo ambiental ou de pesquisadores indígenas, estudos e levantamentos voltados ao fortalecimento cultural, manejo e sustentabilidade, e ao conhecimento do “mundo do branco” estão entre os temas apresentados no encontro.
De acordo com os relatos, o exercício de pesquisa vem funcionando como um importante meio para a produção e registro de conhecimentos nas escolas indígenas, nos cursos de formação de professores e de agentes agroflorestais. “Como os pesquisadores têm dificuldade de acessar nossas terras, a idéia é os alunos aprendam eles mesmo a serem pesquisadores da comunidade”, disse o professor baniwa Armindo Brazão. Os índios ressaltaram também que as pesquisas são importantes porque despertam nos mais jovens o interesse e valorização da própria cultura. “A gente pesquisa para aprender com aquele velho que sabe de uma coisa. Para não perder aquele conhecimento. A gente pesquisa porque os mais jovens não estão interessados no conhecimento nosso. Então a gente pesquisa para mostrar que nosso conhecimento também é bonito, não só o do branco”, disse o professor Sekĩ Wajãpi.
Participação das comunidades
O encontro propiciou uma primeira sistematização das diferentes formas de trabalhar a pesquisa e as metodologias utilizadas. Durante a conclusão do seminário, os participantes indígenas destacaram que o processo de decisão em relação às temáticas de pesquisa deve contar com a participação ativa dos membros das respectivas comunidades, o que deve se estender também à transmissão, produção e registro dos conhecimentos. Nesse sentido, as experiências desenvolvidas nas escolas baniwa, tukano e tuyuka, na região do Alto Rio Negro, no Amazonas, foram referências deste modo “participativo” de fazer pesquisa.
Os professores João Bosco Rezende, da Associação Escola Indígena Tuyuka Utapinopona, Vicente Azevedo Rezende, da Associação Escola Indígena Tukano Yupuri, e Armindo Brazão, da Organização Indígena da Bacia do Içana, ao lado da antropóloga Melissa Oliveira, do Programa Rio Negro do ISA, relataram suas experiências em pesquisa sobre as “Paisagens Florestais Tuyuka”, “Astronomia Tukano”, “Manejo do Arumã”, “Identificação de espécies de Pimenta” e “Manejo dos peixes entre os Baniwa”. As apresentações dos representantes do Alto Rio Negro ainda demonstraram como é possível construir parcerias positivas entre pesquisadores indígenas e não-indígenas e entre os conhecimentos tradicionais e os métodos e técnicas da pesquisa cientifica.
Os participantes do seminário também perceberam que as experiências indígenas de pesquisa podem gerar produtos que beneficiam as comunidades de diversas formas: desde a elaboração de materiais didáticos para as escolas e a revitalização de práticas culturais, pouco conhecidas pelos mais jovens, até o registro e divulgação de cantos, danças, grafismos e artesanatos tradicionais. Esses registros podem inclusive ser utilizados em processos de proteção de conhecimentos relacionados à biodiversidade dos territórios indígenas e no reconhecimento oficial de patrimônio cultural.
Esse é o caso do Dossiê das Artes Gráficas Wajãpi, registrado como patrimônio imaterial pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em dezembro de 2002. “Posteriormente, as ‘Expressões Gráficas e Oralidade entre os Wajãpi do Amapá’ obtiveram junto à Unesco o título de Obra-Prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade”. Estes reconhecimentos da cultura wajãpi tem ajudado na revitalização de suas práticas nas próprias aldeias e na mobilização das comunidades em torno de ações que valorizem tanto as formas de transmissão oral como os conhecimentos relacionados.
Por outro lado...
Uma importante questão levantada durante o seminário diz respeito aos limites das pesquisas nos processos de fortalecimento cultural dos povos indígenas. “A relação dos índios com seus conhecimentos tradicionais não deve apenas ser intermediada pelas novas tecnologias, mas ser também vivenciada no cotidiano das aldeias”, afirma Rosana Gasparini, do Programa Xingu do ISA. “Por isso as pesquisas não são um fim em si, mas um caminho de redescoberta de identidades e saberes”. Nessa perspectiva, a prática das pesquisas não deve tirar a importância da transmissão oral do conhecimento, assim como o registro de conhecimentos (gravação ou escrita de cantos, danças, benzimentos, por exemplo) não substitui as próprias vivências (cantar, dançar, benzer).
Outra preocupação expressada pelos participantes indígenas trata dos cuidados que as comunidades devem tomar ao pesquisar sobre conhecimentos tradicionais, especialmente aqueles relacionados aos recursos naturais e à biodiversidade existente em seus territórios, para evitar que sejam apropriados de forma indevida pelos não-índios. Nesse caso, as línguas indígenas são reconhecidas como importantes formas de proteção no registro das informações, pois restringem o acesso ao conhecimento.
O seminário “Experiências Indígenas de Pesquisa e Registro de Conhecimentos Tradicionais” foi coordenado pelo Iepé e contou com o apoio da Fundação Rainforest da Noruega, USAID, Ministério do Meio Ambiente, Fundação Nacional do Índio, Instituto Internacional de Educação do Brasil e Fortaleza São José de Macapá.
Paula Mendonça e Melissa de Oliveira – ISA
Fonte: http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2494