11 julho 2007

Inquietações sobre o Distrito Florestal de Carajás

É exagero afirmar que desde Cabral a população nativa tem socializado todos os tipos de tragédias sociais e ambientais: chacinas, trabalho escravo, destruição de matas, olhos d´água, igarapés e rios? É possível mensurar a perda do universo simbólico e do conhecimento de base oral por conta da conquista da fronteira amazônica por atividades capitalistas?
A memória da “conquista” da tríplice fronteira de Carajás, Araguaia-Tocantins ou Bico do Papagaio é prenha da reflexão acima. A região é imortalizada onde mais de matou militantes da reforma agrária do país, oeste do Maranhão, norte do Tocantins e sudeste do Pará.
O Lócus onde ora se pretende a implantação do Distrito Florestal Sustentável de Carajás (DFSC) soa à primeira vista como um simples socorro ao pólo siderúrgico de Carajás, através do financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O pólo de gusa de Carajás é considerado o principal do país.
O DFSC ambiciona fazer o reflorestamento de 25 milhões de hectares. Calcula-se que num prazo de 15 anos a produção de gusa alcance a “sustentabilidade”. Implantação de monoculturas de espécies exóticas, como o eucalipto, que na década de 1980 ativou a destruição de parte do cerrado do oeste maranhense, é uma das inquietações de ambientalistas da região. O projeto da Companhia Vale do Rio do Doce (CVRD), que não vingou, era produzir papel celulose em parceria com empresa do Japão. Hoje a CVRD vende a floresta exótica como reflorestamento, como salientou um representante da empresa em debate realizado em Belém.
A “conquista” da fronteira agro-mineral teve no Estado o principal indutor, numa âncora econômica de renúncia fiscal, que solidificou a transferência de terras públicas para a iniciativa privada, em sua maioria para os setores industriais e comerciais do centro-sul do país. Viviam-se dias de regime militar. Onde numa indiferença à população indígena, considerou-se a região um vazio demográfico. Um programa baseado em pólos (Polo-Amazônia) de produção madeireiro, pecuária e mineral foi imposto, sob a legenda do Programa Grande Carajás.
O saque às matérias-primas e a produção de produtos semi-elaborados dão o tom da base econômica, considerada uma atividade de enclave, posto não ativar a economia regional. Uma visita nos dados do Ministério da Integração indica que a maioria dos municípios da região está na condição de estagnação. Sem falar que 24 municípios do sudeste do Pará constam no mapa dos locais mais violentos, e é top de linha em trabalhadores escravizados. É preciso falar nos péssimos IDH´s?
Uma região marcada pela constante tensão, onde atuam várias redes de interesses econômicos, sociais e políticos, que tem na Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) o de maior peso econômico e de tecnologia, que a eleva ao centro do tabuleiro na definição do território, onde competem ainda: madeireiras, pólo de gusa, pecuaristas, garimpeiros, indígenas, sem terra e assentados pela reforma agrária.
A atividade de gusa na região soma mais de duas décadas, onde não se tem notícia de cumprimento de acordos firmados sobre a política de reflorestamento. A pressão internacional contra a cadeia produtiva do trabalho escravo, bem como a agenda do debate ambiental por conta do aquecimento global, tem obrigado o estado brasileiro e setores “produtivos” a buscar soluções sobre as duas questões. Será que se situa aí o DNA do DFSC?
O tabuleiro da região – A atividade de gusa concentra 14 indústrias processadoras de ferro-gusa, que, juntas, consomem anualmente cerca de 13 milhões de metros cúbicos de lenha, transformada em carvão vegetal para aquecimento dos fornos. Além da atividade de siderurgia, a região abriga 11 pólos madeireiros, que extraem cerca de 3,3 milhões de metros cúbicos de madeira em tora.
A região é também conhecida pela produtividade de carne bovina, abatendo 10 mil cabeças/dia. Dentre as atividades tradicionais, destaca-se a cultura do babaçu, cujo fruto, folhas e tronco possuem grande potencial econômico. A região de Carajás é uma das áreas de maior concentração de assentamentos no Brasil, distribuídos por três milhões de hectares.
Desmatamento - O desmatamento ilegal produziu grande passivo ambiental. A atividade atinge 40% da região e a madeira é explorada de forma predatória. Tanto assim que, de 2005 a 2006, foram apreendidos 200 mil metros cúbicos de carvão; os autos de infração lavrados nesse período resultaram em multas, somadas, no valor de R$ 500 milhões. Informações do site do Serviço Florestal Brasileiro.
Debate? A força da grana ou muque tem regido os dias na fronteira agro-mineral. A prova são audiências públicas para se apresentar o que é o DFSC, marcadas por agudo lobby dos setores econômicos e políticos interessados na questão. A exemplo da sessão que ocorreu na Assembléia Legislativa em Belém, e na sessão promovida pela Câmara Municipal de Marabá, Pará. Mesmo destino que toma conta da discussão ou ausência dela, sobre os projetos, como as hidrelétricas. Aos olhos dos “empreendedores” o Estado é um cifrão. Os mesmos desejam ainda, já que ta tudo detonado, a redução da reserva legal de 80% para 50%.
O bicho pegou? A fiscalização da derradeira década foi frouxa no Pará. Na presente nova direção do estado, promoveu-se uma ação de fiscalização sobre as contra-partidas nas áreas sociais, trabalhistas e ambientais das empresas de gusa. Pelo não cumprimento da agenda o governo suspendeu a política de renúncia fiscal da Cosipar, e deu prazo de 45 dias às empresas Ibérica e Usimar para ajustamentos. Mas, tudo pode ficar pior, caso as montadoras de automóveis americanas deixem de comprar a gusa do pólo, por conta do mundo arrasado que ela fomenta em seu entorno. Ocorre interrogar, o que há de civilizado no mundo da gusa na Amazônia?
Inquietações - A efetivação de uma regularização fundiária no estado com a segunda extensão territorial do país tem sido protelada por sucessivos governos. A questão deveria ser o passo inaugural de qualquer projeto com pretensão a seriedade? A pretexto de “arrancar” a região da periferia de um país periférico e induzir o desenvolvimento, inúmeros projetos públicos e privados reeditam uma matriz colonial.
É o saque aos recursos naturais de toda ordem, indiferença aos nativos (as) da região que tem regido a cuca dos planejadores, como estivessem a reescrever a carta de Vaz de Caminha, que ao descrever a população tributária do Pau-Brasil nos considerou “gente bestial”.
Desde 1980, apenas para fazer um recorte recente, pergunta-se: desenvolvimento para quem? Onde está a população nativa no desenho dos projetos? É possível cometer heresias contra a força da ordem econômica, que tende a submeter, cooptar, subjugar tudo e todos (as)? Há algo que sinalize o desvio de rota nos dias atuais? Pelo visto há mais interrogações no horizonte que respostas.
No xadrez do poder do continente, o Brasil protagoniza papel estratégico, em especial na construção do eixo de integração latino-americano. Trata-se da Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), que tem programado eixos de integração da região, com vistas a azeitar a circulação de mercadorias primárias, e no máximo semi-elaboradas. O financiamento é do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Rogério Almeida é colaborador da rede www.forumcarajas.org.br (Correio eletrônico: araguaia_tocantins@hotmail.com)