Um Estado intervencionista e autoritário alinhado ao capital privado nacional e internacional semeou uma série de políticas para a “conquista” da fronteira, ainda que farta em população indígena, foi considerada um vazio demográfico. E são os indígenas os que mais socializam as mazelas da inserção da “civilização” no front amazônico.
Na região dos Carajás, a parte oriental da Amazônia, a atividade siderúrgica [1] soma duas décadas e internaliza passivos de toda ordem: destruição da floresta, trabalho escravo, poluição de igarapés e rios, indiferença a acordos de reflorestamento, sem falar nas condições insalubres de trabalho. Uma das costelas do projeto Carajazão, como ficou conhecido o Programa Grande Carajás (PGC), na década de 1980.
No PGC tudo era estratosférico, os números na casa de bilhões de dólares. Dizia-se que o Carajazão serviria até para sanar a dívida externa. A siderurgia consolida a base do que tem regido a economia da região, o extrativismo, ou o melhor seria saque?
O setor siderúrgico de Carajás, maioria oriundo do Vale do Rio Doce, Minas Gerais, onde destruiu a cobertura vegetal, encontra-se numa encruzilhada. De um lado os mercados chinês e indiano demandam o produto; do outro, a pressão internacional por conta dos passivos sociais e ambientais produzidos pela cadeia produtiva ganham visibilidade internacional.
Assim, uma vez mais resta apelar ao Estado. Se nas décadas pretéritas a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), serviu de aporte, hoje o apelo é para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que exerce papel estratégico na política de eixos de integração Latino-Americano, onde a região do Araguaia-Tocantins configura uma das pernas para a geração de energia, monoculturas e transporte multi-modal (rodovias, ferrovias e hidrovias).
Alguns números do pólo siderúrgico
O consumo de madeira pelo setor guseiro em Carajás é estimado entre 12 a 14 milhões de m³, conforme o Instituto Brasileiro dos Recursos Renováveis e do Meio Ambiente (IBAMA). Dados produzidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) Amazônia Oriental, sinaliza que até 2005, o pólo siderúrgico de Carajás acumulou a exportação de 20 milhões toneladas de ferro gusa.
O pólo é constituído de 14 empresas, divididas nos municípios de Açailandia, oeste do Maranhão e Marabá, sudeste do Pará, que são alimentadas pela mina da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), na região de Carajás, município de Parauapebas. A CVRD pressionada pela opinião pública internacional, enfim percebeu, após 20 anos, que há passivos de toda ordem na cadeia, e ameaça a suspensão de matéria prima.
Tendo como base os números de exportação, os pesquisadores coordenados pelo Dr. Alfredo Homma, calculam que 100 mil hectares de floresta foram derrubados em 2005. O que equivale a 100 mil campos de futebol. Debitar toda a responsabilidade do mundo degradado da região nas costas das siderúrgicas seria injusto. As mesmas dividem a responsabilidade com outros pólos, como o madeireiro e o de pecuária. Sob tal matriz, de pólos, a Amazônia foi ocupada.
A dúbia ação do Estado
A dubiedade tem marcado a ação do Estado. Em sua dimensão regional fez pela primeira vez uma série de investigações sobre as irregularidades das empresas siderúrgicas de Marabá e indicou uma bateria de sanções entre multas e suspensão de atividade produtiva.
Já na esfera federal o setor florestal realizou um pacote de audiências públicas onde visa incentivar a monocultura de 25 milhões de hectares de floresta na delicada tríplice fronteira do Bico do Papagaio (Maranhão, Pará e Tocantins), com ênfase na grande propriedade. Lembremos que a região é celebrizada pelo conflito de terras.
Estima-se que a autonomia do setor só será possível num prazo de 15 anos. Em oposição o campesinato da região realizou um seminário em setembro em Marabá e lançou manifesto contra o projeto do distrito florestal. Outra preocupação dos movimentos sociais tem sido o debate para a construção da hidrelétrica de Marabá.
A ação dúbia do Estado se revela em diferentes dimensões. Ao mesmo tempo em que reconhece o campesinato através de efetivação de projetos de assentamento, políticas de crédito, estabelece uma linha de projetos que estão em oposição às demandas dos mesmos. Uma outra polêmica assanhou o debate recentemente, com a visibilidade de financiamento de políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) pelas empresas guseiras. É do PT a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, que tem sinalizado para o combate do trabalho escravo.
Em tal contexto, resta a pergunta emprestada do povo da Nação Zumbi, banda pernambucana: “De que lado você samba? Você samba de que lado? De que lado você vai sambar?”.
Rogério Almeida é autor do livro Araguaia-Tocantins: fios de uma história camponesa/2006. Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), e colaborador da rede Fórum Carajás: www.forumcarajas.org.br
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