15 outubro 2007

Carajás: distrito florestal e outros trens

O catatau de intelectuais que já queimou pestanas sobre a “conquista” da Amazônia pontua a organização recente do saque aos recursos naturais da região ao apagar das luzes da década de 1950, que tem como um dos marcos a construção de rodovias. Incentivar o desenvolvimento, gerar emprego, renda e arrancar a região das “trevas” tem sido o apelo dos defensores dos grandes projetos junto às populações locais. Isso faz tempo. Num rincão marcado por limites de toda ordem, quem não cai ao canto da sereia?
Um Estado intervencionista e autoritário alinhado ao capital privado nacional e internacional semeou uma série de políticas para a “conquista” da fronteira, ainda que farta em população indígena, foi considerada um vazio demográfico. E são os indígenas os que mais socializam as mazelas da inserção da “civilização” no front amazônico.
Na região dos Carajás, a parte oriental da Amazônia, a atividade siderúrgica [1] soma duas décadas e internaliza passivos de toda ordem: destruição da floresta, trabalho escravo, poluição de igarapés e rios, indiferença a acordos de reflorestamento, sem falar nas condições insalubres de trabalho. Uma das costelas do projeto Carajazão, como ficou conhecido o Programa Grande Carajás (PGC), na década de 1980.
No PGC tudo era estratosférico, os números na casa de bilhões de dólares. Dizia-se que o Carajazão serviria até para sanar a dívida externa. A siderurgia consolida a base do que tem regido a economia da região, o extrativismo, ou o melhor seria saque?
O setor siderúrgico de Carajás, maioria oriundo do Vale do Rio Doce, Minas Gerais, onde destruiu a cobertura vegetal, encontra-se numa encruzilhada. De um lado os mercados chinês e indiano demandam o produto; do outro, a pressão internacional por conta dos passivos sociais e ambientais produzidos pela cadeia produtiva ganham visibilidade internacional.
Assim, uma vez mais resta apelar ao Estado. Se nas décadas pretéritas a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), serviu de aporte, hoje o apelo é para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que exerce papel estratégico na política de eixos de integração Latino-Americano, onde a região do Araguaia-Tocantins configura uma das pernas para a geração de energia, monoculturas e transporte multi-modal (rodovias, ferrovias e hidrovias).
Alguns números do pólo siderúrgico
O consumo de madeira pelo setor guseiro em Carajás é estimado entre 12 a 14 milhões de m³, conforme o Instituto Brasileiro dos Recursos Renováveis e do Meio Ambiente (IBAMA). Dados produzidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) Amazônia Oriental, sinaliza que até 2005, o pólo siderúrgico de Carajás acumulou a exportação de 20 milhões toneladas de ferro gusa.
O pólo é constituído de 14 empresas, divididas nos municípios de Açailandia, oeste do Maranhão e Marabá, sudeste do Pará, que são alimentadas pela mina da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), na região de Carajás, município de Parauapebas. A CVRD pressionada pela opinião pública internacional, enfim percebeu, após 20 anos, que há passivos de toda ordem na cadeia, e ameaça a suspensão de matéria prima.
Tendo como base os números de exportação, os pesquisadores coordenados pelo Dr. Alfredo Homma, calculam que 100 mil hectares de floresta foram derrubados em 2005. O que equivale a 100 mil campos de futebol. Debitar toda a responsabilidade do mundo degradado da região nas costas das siderúrgicas seria injusto. As mesmas dividem a responsabilidade com outros pólos, como o madeireiro e o de pecuária. Sob tal matriz, de pólos, a Amazônia foi ocupada.
A dúbia ação do Estado
A dubiedade tem marcado a ação do Estado. Em sua dimensão regional fez pela primeira vez uma série de investigações sobre as irregularidades das empresas siderúrgicas de Marabá e indicou uma bateria de sanções entre multas e suspensão de atividade produtiva.
Já na esfera federal o setor florestal realizou um pacote de audiências públicas onde visa incentivar a monocultura de 25 milhões de hectares de floresta na delicada tríplice fronteira do Bico do Papagaio (Maranhão, Pará e Tocantins), com ênfase na grande propriedade. Lembremos que a região é celebrizada pelo conflito de terras.
Estima-se que a autonomia do setor só será possível num prazo de 15 anos. Em oposição o campesinato da região realizou um seminário em setembro em Marabá e lançou manifesto contra o projeto do distrito florestal. Outra preocupação dos movimentos sociais tem sido o debate para a construção da hidrelétrica de Marabá.
A ação dúbia do Estado se revela em diferentes dimensões. Ao mesmo tempo em que reconhece o campesinato através de efetivação de projetos de assentamento, políticas de crédito, estabelece uma linha de projetos que estão em oposição às demandas dos mesmos. Uma outra polêmica assanhou o debate recentemente, com a visibilidade de financiamento de políticos do Partido dos Trabalhadores (PT) pelas empresas guseiras. É do PT a governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, que tem sinalizado para o combate do trabalho escravo.
Em tal contexto, resta a pergunta emprestada do povo da Nação Zumbi, banda pernambucana: “De que lado você samba? Você samba de que lado? De que lado você vai sambar?”.

[1] O setor ajudou a impulsionar a economia norte americana no século XIX, surgiu no mundo lá no século VII.

Rogério Almeida é autor do livro Araguaia-Tocantins: fios de uma história camponesa/2006. Mestre em Planejamento do Desenvolvimento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) da Universidade Federal do Pará (UFPA), e colaborador da rede Fórum Carajás: www.forumcarajas.org.br
Correio eletrônico: araguaia_tocantins@hotmail.com