Volto a insistir neste artigo que a reforma agrária na Amazônia está sendo usada criminosamente para transferir milhões de hectares de terras públicas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária para os grileiros do agrobanditismo da madeira, pecuária, soja, etc. O Ministério Público Federal (MPF) vem tentando por meio da Justiça Federal do Pará dar um basta nestas ações que estão sendo desenvolvidas em todos os estados da região.
Esta política delapidadora do patrimônio público do governo Lula no estado do Pará está sendo desenvolvida de forma articulada entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o INCRA, o Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o governo estadual petista, em “cumprimento” aos acordos feitos entre o setor madeireiro e o governo. A afirmação está em documento público da Associação das Indústrias Madeireiras de Santarém e Região Oeste do Pará (ASIMAS): “O uso dos assentamentos para o fornecimento de matéria-prima legalizada para as indústrias da região foi proposto pelo próprio governo federal, como forma legal e lícita de superar a crise do setor florestal, vivida especialmente por causa da falta de regularização fundiária na região.” (http://www.pauloleandroleal.com/site/news.asp?cod=6635 acessado em 17/12/2007)
Por isso, vamos ao histórico dos fatos. Em decorrência das pressões nacionais e internacionais provocadas pelo crescimento do desmatamento na Amazônia em 2003 e 2004, o IBAMA intensificou a fiscalização para contê-lo. Como conseqüência, o setor madeireiro, que sempre operou na ilegalidade, tratou de realizar manifestações e bloqueios de rodovias no oeste do Pará.
Para aplacar a ira dos integrantes do agrobanditismo, o governo promoveu em meados de 2004, uma reunião em Itaituba entre os madeireiros e o superintendente do INCRA em Belém Roberto Faro. Nesta reunião, ele negociou a suspensão da realização de uma grande manifestação contra as ações do IBAMA de Itaituba “porém, segundo participantes da reunião, o trunfo para o acordo foi, justamente, a tônica que seria dada ao andamento dos processos de ‘regularização fundiária’. Em 22 de setembro de 2004, os diretores do Sindicato da Indústria Madeireira do Sudoeste do Pará (SIMASPA) encaminharam ao IBAMA uma indicação de ‘projetos prioritários’ a ser vistoriados pelo INCRA. No dia 23 de setembro, o IBAMA redirecionou ao INCRA a tal lista de áreas prioritárias (ofício 361/2004)” para fazer o georreferenciamento das terras públicas griladas pelos madeireiros. Porém, como o caminho da ilegalidade praticada no interior do próprio INCRA, havia sido denunciado, no dia 07/12/2004, Roberto Faro foi “preso e exonerado sob a acusação de corrupção e formação de quadrilha para liberação de títulos de terras da União.” (Maurício Torres, Amazônia Revelada, CNPQ, Brasília, 2005, páginas 316/317)
Entretanto, mesmo antes desta punição, nos “porões” desses órgãos públicos, a sanha de “uma parte dos funcionários” que sempre viveram da corrupção, tratou de construir outro caminho para garantir ao agrobanditismo madeira e terras públicas. Foi assim que o atual diretor Nacional de Programas do INCRA, Raimundo de Araújo Lima, “em conversa gravada” contou “como tudo foi tramado em novembro de 2004: Primeiro, o [...] diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro, o Tasso [Azevedo] [...] e [...] o [...] Paulo Capobianco, [...] secretário-geral do Ministério [do Meio Ambiente], [...] fizeram uma sugestão: [...] 'os assentamentos podem resolver o problema do setor madeireiro lá na região' [...] o Incra vai criar assentamentos lá?” E em seguida, “o Rolf [presidente do Incra] já anunciou a criação da nova superintendência [de Santarém]. E o Incra [criou] assentamentos lá na região, em terras públicas...” (Maurício Torres, “A Reforma Agrária que virou Plano de Manejo” - O LIBERAL – Belém – 05/12/2007, ANO LXII - Nº 31.963, página 2 - http://www.orm.com.br/oliberal/ acessado em 17/12/2007)
No início de 2006, o agronegócio da madeira assumiu publicamente o apoio à implantação dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) pelo INCRA “depois que os empresários perceberam que poderiam ganhar explorando a madeira da reserva legal dos projetos.” Para tal “as entidades empresariais” deveriam “incentivar os sócios a devolverem as áreas públicas” com florestas primárias griladas ao INCRA, com as devidas coordenadas geográficas.” E mais, o órgão deveria criar os “PDS, juntando as áreas devolvidas em blocos de 20 mil hectares”, e assentar os sem terra em lotes de apenas 20 hectares.” (http://www.pauloleandroleal.com/site/news.asp?cod=2948 acessado em 17/12/2007)
Como o INCRA de Santarém, tinha feito muitas falcatruas para criar “os assentamentos laranjas” no mês de dezembro de 2006, e, este fato estava gerando desconforto entre os funcionários do órgão, foram feitas algumas “auditagens” por comissões internas no início do ano seguinte. Em decorrência da demora na implantação dos assentamentos, em meados de 2007, o setor madeireiro foi “cobrar a fatura” da governadora petista, afirmando: “Por favor, [governadora] não se esqueça dos compromissos assumidos com o setor florestal”. Como resultado da cobrança, 26 planos foram aprovados e outros 58 prometidos pela Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTAM) para diminuir “a crise no setor, mas esta liberação dependia da assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a secretaria estadual e o INCRA, pois tratava-se de PDS.” (http://www.pauloleandroleal.com/site/news.asp?cod=5702 e http://www.pauloleandroleal.com/site/news.asp?cod=6109 acessados em 17/12/2007)
E assim, finalmente, para remover o último obstáculo, “o diretor de Programas do INCRA, Raimundo [de Araujo] Lima, representando o presidente do instituto, Rolf Hackbart” e “o secretário estadual de Meio Ambiente, Valmir Ortega” assinaram o TAC. Este Termo passava a permitir “a liberação de planos de manejo florestais em assentamentos, especialmente na Região Oeste do Pará”. (http://www.pauloleandroleal.com/site/news.asp?cod=6306 acessado em 17/12/2007)
Como todos podem verificar, a reforma agrária está sendo oficialmente usada de forma criminosa no Pará para favorecer o agrobanditismo. Apenas a ação do Ministério Público Federal pedindo a anulação de 99 projetos de assentamentos na área de atuação da Superintendência de Santarém do INCRA, está freando esta sanha de delapidação do patrimônio público. Aliás, não é somente no estado do Pará que estes fatos estão ocorrendo, mas sim em toda Amazônia, mas este é assunto para o próximo artigo.
Por Ariovaldo Umbelino - Professor titular de Geografia Agrária pela Universidade de São Paulo (USP). Estudioso dos movimentos sociais no campo e da agricultura brasilera, é autor, entre outros livros, de "Modo capitalista de produção (Ática, 1995)", "Agricultura camponesa no Brasil" (Contexto, 1997).
Fonte: http://www.radioagencianp.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3588&Itemid=43font