As "propriedades" de "Carlos Medeiros" se estendem por 32 municípios do Pará, um dos estados recordistas em grilagem de terras. Desde a década de 1970 uma quadrilha de grileiros atua no estado sob essa cobertura.
"Grilagem notória"
No caso da Fazenda Novo Horizonte, a ação civil foi proposta pelo Ministério Público Federal, juntamente com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). A ação pública solicita que a madeireira Cobra Agropecuária e o comerciante Norberto Antônio Hubner paguem indenização por danos morais e materiais pela exploração de madeira da propriedade.
“Há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, eis que os demandados estão extraindo, de forma irregular, madeira integrante da Floresta Amazônica, o que pode levar à degradação do meio ambiente, já que o plano de manejo foi aprovado baseado em documento de propriedade fraudulento”, diz a decisão da juíza. Motivo: “é nulo o título que fundamenta a propriedade do imóvel, como se depreende da farta documentação apresentada até o presente momento”.
Em dezembro do ano passado, sentença do juiz federal da Subseção de Altamira, Herculano Martins Nacif, declarou a nulidade das certidões de outras 44 propriedades rurais situadas na região do Xingu, com titulação ligada ao megalatifundiário fantasma. O juiz considerou “a notoriedade de grilagem originada por fraude que remonta a Carlos Medeiros”. As fazendas somam 547 mil hectares, uma área equivalente à do Distrito Federal.
Grileiro fantasma surgiu há 32 anos
"Carlos Medeiros" tem carteira de identidade (92.093-SSP/PA) e CPF (034.992.182-34) mas na verdade nunca existiu. Foi criado em 1975, em Belém, quando uma quadrilha de grileiros forjou um inventário do qual faziam parte sesmarias (forma de titulação fundiária que vigorou no Brasil de 1532 até 1835) em nome de dois portugueses mortos mais de 150 anos antes. Foi em julho de 1975 que advogados a serviço da grilagem pediram a reconstituição da relação de bens, apresentando-se como representantes de um certo Carlos Medeiros, suposto herdeiro das terras.
O personagem fictício foi apresentado como o herdeiro do inventário, que inclui 1.100 títulos de terras. O inventário dos bens dos sesmeiros portugueses, Manoel Joaquim Pereira e Manoel Fernandes de Souza, tinha desaparecido no fim dos anos 60 do Cartório do 6º Ofício do Fórum de Belém.
O juiz Armando Bráulio Paul da Silva (mais tarde afastado por corrupção, em outro caso) autorizou, mesmo sem comprovação da herança, a demarcação das terras e dos títulos definitivos. Resultaram oito volumes, com 2.685 páginas de documentos, acompanhados de sucessivos alvarás para registro e venda de terras nos cartórios. A partir dessa legitimação de supostos direitos, o fantasma Medeiros e seus procuradores foram habilitados como sucessores nas sesmarias dos Manoel.
Os dois principais autores da fraude já morreram, após muitos bons negócios com as terras de "Carlos Medeiros". No caso de um deles, Marinho Gomes de Figueiredo, a morte está cercada de mistério. Seu corpo foi encontrado no quarto de um hotel, ao lado de uma pasta com conteúdo documental explosivo, envolvendo algumas figuras notáveis do mundo da terra no Pará.
O fantasma de Carlos Medeiros é um bom exemplo do quanto são nebulosos os negócios ligados à propriedade fundiária no Pará. E ajuda a entender por que o estado permanece há muitas décadas como campeão nacional em mortos em lutas pela terra.