O Brasil é membro associado do Grupo Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Corporação Andina de Fomento (CAF), entre outras. Os bancos multilaterais são instituições financeiras. E ganham vida com os países membros, que são os sócios majoritários. Cada instituição tem uma representação dos governos associados.
O Grupo Banco Mundial (GBM) é composto por diferentes organismos, como o Banco Mundial, que é voltado ao financiamento das ações governamentais e a Corporação Financeira Internacional (CFI). O braço do GBM que financia somente a iniciativa privada. Esta, por exemplo, foi quem efetivou um empréstimo ao Grupo Bertin que adquiriu por R$ 30 milhões a unidade do Frigorífico Marabá, localizada em Marabá, no sudeste paraense, que tem capacidade de abater mil animais/dia.
O Grupo Bertin pretende consolidar a sua verticalização através da instalação um curtume próximo a unidade de Marabá para a produção de couros semi-acabados. Então, podemos imaginar as prováveis conseqüências desse financiamento para esta região por conta do incentivo que o mesmo gera à expansão da atividade pecuária.
O problema é que os financiamentos da CFI não passam pela aprovação do parlamento brasileiro, diferentemente do que ocorre com os empréstimos aos governos. Ou seja, os termos dos contratos de empréstimos firmados entre as partes são completamente desconhecidos da sociedade. A questão é grave, a se considerar a capacidade dos impactos negativos sobre a população e o ambiente dos empreendimentos privados beneficiados.
O BID, por sua vez, financia a execução de diversos projetos na Amazônia, como o PROSAMIN. O programa é um empreendimento de urbanização de áreas alagadas de Manaus, capital do Amazonas. O interessante nesse caso é que o saneamento manauara foi privatizado, tendo sido repassado a um grande grupo francês que atua nesse setor em diferentes países. Ou seja, o governo estadual contraiu um empréstimo em dólar para executar obras de infra-estrutura urbana em Manaus. Mas quem vai ganhar com isso tudo é a concessionária privada que não terá que desembolsar recursos para realizar tal empreendimento. Enquanto que o poder público, ou melhor dizendo, a sociedade amazonense, terá que arcar com os custos do empréstimo. Isso é que é parceria público-privado! Em outras palavras, o estado socializa as despesas com a sociedade, e a empresa pública capitaliza os lucros.
Vale registrar que o Brasil tem enorme poder tanto dentro do BID, pois está entre os maiores acionistas da instituição. Tem peso decisivo na definição das políticas implementadas por esse banco na América Latina. Com o Grupo Banco Mundial a regra se repete. O país é um acionista relevante, e um grande tomador de empréstimos além de excelente cliente.
Também é preciso dizer que somente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem mais recursos para investimentos do que o BIRD [Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento] e o BID juntos. Somente a carteira de projetos do BNDES possui mais de R$ 60 bilhões para 2007. O que o BIRD e o BID dispõem para o Brasil no mesmo período pode ser considerada uma ninharia diante dessa soma. Então, por que continuamos a pegar empréstimos dessas instituições?
Em relação ao Brasil, o BID, o BIRD e mesmo o FMI na atualidade não são importantes por causa dos empréstimos. E sim pelo fato que são grandes produtores de conhecimentos e formuladores de políticas que são implementadas no país. Além de formarem boa parte da elite tecnoburocrática brasileira. O poder dessas instituições é tão forte que alguns dos conceitos elaborados no seu interior acabam sendo incorporados até mesmo por movimentos sociais e ongs, como a idéia de boa governança.
No caso do BNDES, este banco há muito deixou de atuar somente no Brasil, posto que financia empreendimentos em diferentes países ao redor do planeta. É o principal instrumento do Brasil para garantir a efetivação da Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). Um conjunto de ações e arranjos institucionais para viabilizar a integração econômica dessa parte da América. É o BNDES o principal financiador dos empreendimentos previstos pelo Programa de Aceleração da Economia (PAC).
Na Amazônia, o Complexo Rio Madeira, em Rondônia, a expansão das monoculturas de exportação e para a produção de biocombustíveis, abertura de estradas, a expansão e a modernização das redes de portos e aeroportos contarão efetivamente com recursos desse banco. Não obstante, não existe atualmente qualquer mecanismo de controle social sobre as ações do BNDES. Que, nesse caso, chega ser mais conservador do que o BIRD e o BID.
É o BNDES também quem financia diversos empreendimentos nos países sul-americanos que interessam diretamente ao Brasil, como o asfaltamento de estradas no Peru, a fim de viabilizar o escoamento da soja nacional para os países asiáticos pelos portos daquele país no Pacífico. Bem como muitos outros projetos nos demais países da região que interessam fundamentalmente ao setor privado brasileiro e/ou articulados a grandes grupos econômicos internacionais - Cargil, por exemplo.
Para atingir esse objetivo o BNDES tem efetivado parcerias com a Corporação Andina de Fomento, cujos sócios majoritários são a Colômbia, Peru, Bolívia, Equador e Venezuela, para garantir os financiamentos necessários à implementação da IIRSA. Portanto, não foi mera coincidência o fato de o Brasil ter se tornado sócio da CAF, através da aquisição de cerca de 10% das ações daquela instituição, e de alguns setores do governo federal levantarem a proposta de que o Banco do Sul, proposto por Chaves, se constitua a partir da maior integração entre o BNDES e a CAF.
Como se vê o Brasil tem tido um papel ativo na estratégia de integração econômica sul-americana, definido de modo claro no atual Plano Plurianual do governo federal, e age com desenvoltura no interior dos bancos multilaterais para atingir esse objetivo. Nesse sentido, precisamos romper com a idéia de que o nosso país é vítima dessas instituições.
Posto que nosso país participa da formulação das políticas apoiadas pelas mesmas no nosso continente. E não sermos um sócio qualquer no interior delas. Cabe aos movimentos sociais e ongs colocarem em sua pauta o debate sobre os bancos multilaterais, desenvolver ações de pressão sobre elas e tirar o parlamento brasileiro da letargia quando se trata dos acordos internacionais.
Guilherme Carvalho é Técnico da FASE Amazônia, e ex-coordenador da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras