11 abril 2007

No Oeste paraense soja não combina com respeito ao ecossistema

Aquilo que antes certos meios de comunicação divulgavam como uma pendenga entre ambientalistas e sojeiros, entre "nacionalistas" que diziam que a Amazônia é dos brasileiros, defendendo a multinacional Cargill, norte americana de Minesota e acusavam as ONGs [de serem] teleguiadas pela ONG estrangeira Greenpeace, agora cai a fantasia e o tribunal de Justiça federal de Brasília revela quem mesmo é o vilão da destruição da agricultura familiar e das matas da região Oeste do Pará. E quem é? Ela mesma, a Cargill Cereais, que de 2003 até hoje, transportou mais de dois milhões de toneladas de soja pelo seu moderno porto graneleiro instalado ilegalmente bem em frente da bela cidade de Santarém. 95% dessa exportação veio do Mato Grosso, por barcaças via rios Madeira e Amazonas até o armazém de Santarém. Esses 95% revelam que o porto de Santarém é apenas um entreposto de transporte, sem deixar rendimentos ao município, menos ainda ICMS, já que pela lei Kandir os produtos primários para exportação estão isentos.
Parece pouco, 5 % da soja transportada da região Oeste do Estado. Mas isso tem dois agravantes. Um, são mais de 25 mil hectares de terras utilizadas para soja aqui na região. Para se ter uma idéia, isso significa cerca de 25 mil campos de futebol desmatados. Esse descampado lá nos pampas do Rio Grande pode parecer coisa pouca, mas aqui na floresta Amazônica tem um efeito terrível no ecossistema. Ou será que tem alguém ainda pensando que a seca incomum e logo a cheia também incomum dentro de seis meses no ano passado, de fevereiro a junho e de agosto a dezembro foi obra do destino ou castigo de Deus?
Outro agravante tem sido o êxodo rural pela compra e venda dos lotes da produção familiar. Famílias que viviam secularmente na pobreza, apesar de trabalhar a terra na produção de mandioca, milho, arroz, feijão, laranja, manga, coco e outras plantações, se deixaram atrair pela sedução de oferta de 30, 40 e até 50 mil reais. Venderam suas terras que os sojeiros logo devastaram tudo, inclusive as casas e meteram as máquinas modernas com monocultura da soja. Detalhe, soja aqui na região de Santarém até 1999 só se conhecia em produtos de supermercado. Nesta região de floresta soja é planta exótica.
O que fez essa nova fronteira agrícola acontecer tão de repente? Dois fatores explicam: A alta da commodities soja no mercado internacional, devido o mal da vaca louca na Europa e o boon econômico da China. O preço da soja no mercado disparou de 12 para 34 dólares o saco de 60 quilos. O sul e o Centro Oeste já estavam devastados pelo cultivo da soja e outras commodities. O Oeste do Pará era o caminho do novo eldorado. Isto por causa da estrada Santarém Cuiabá, rasgada desde a época da ditadura militar e nunca concluída.
Ela chega ao porto fluvial de Santarém, com calado adequado para navios de até 50 mil toneladas e o porto mais próximo do mercado europeu e chinês, para produtos da Amazônia e do Centro Oeste brasileiro. Logo a multinacional Cargill antecipou-se às concorrentes e arrendou um lote da praia Vera Paz, ao lado das Docas do Pará. Ali existia uma praia cantada em versos e a mais favorável aos pobres da cidade que podiam se banhar nas águas ainda limpas do majestoso rio Tapajós, sem precisar pagar transporte.
O capital falou mais alto e a Sectam (Secretaria Estadual de Tecnologia e Meio Ambiente) logo deu uma licença ilegal para a multinacional construir seu "Monstro do lago Ness, digo do rio tapajós". Imediatamente alguns grupos do movimento popular e da pastoral da Igreja denunciaram ao Ministério Público Federal a desgraçada agressão ao rio, ao meio ambiente e à sociedade local. Os grupos foram criticados pela elite política e econômica, inclusive pela Câmara de Vereadores de Santarém.
Foram chamados a se explicar em sessão especial do porque da reação "anti desenvolvimento". As explicações de nada adiantaram, os grupos foram acusados de retrógrados. Até grupos de universitários iludidos de que teriam empregos futuros reagiram contra os defensores do meio ambiente. E a destruição da praia continuou, aterraram inclusive uma área de um sítio ecológico. O Ministério público abriu processo contra a multinacional. No ano 2.000 ela foi condenada pelo juiz federal local.
De nada adiantou a multinacional [estava] segura de seu poder econômico. Afinal ela é a segunda maior empresa graneleira do mundo, recorreu com liminares várias e foi concluindo a construção do porto. Em 2003 estava a invasão do rio Tapajós, em frente à cidade, com um porto de 20 milhões de dólares, privatizando uma praia e uma enseada de rio. Tudo isto com apoio da prefeitura, da elite econômica e política local e estadual. Mas o processo continuou na justiça federal em Brasília.
Finalmente no ano passado transitou em julgado e a sentença do tribunal foi que a multinacional paralise o porto e execute o estudo e relatório de impacto ambiental (EIA RIMA), conforme manda a lei. Foi um Deus nos acuda. Os defensores da invasão estrangeira saíram em defesa da "coitadinha", que se diz vítima de perseguição do Procurador Federal, Dr. Felício Pontes. Agora imagine se uma empresa brasileira, ou venezuelana decidisse construir um porto particular em Carolina do Sul, sem as devidas licenças lá deles, o que aconteceria? No entanto aqui, mesmo a sentença tendo sido transitada e julgada em fevereiro de 2006, só um ano depois é que a sentença veio a ser cumprida, graças ao Dr. Felipe Fritz e Dr. Felício Pontes. Aquele, atual procurador federal em Santarém e este, procurador federal geral do Estado do Pará.
Os amigos da coitadinha lamentam os prejuízos que ela está tendo, os sojeiros em número de 130 na região estão em pânico, porque estão plantados cerca de 17 mil hectares de roças de soja, que devem ser colhidas em junho. Não têm onde depositar, nem vender. Estão inadimplentes com a multinacional que lhes financiou insumos na certa de receber os grãos e agora? Agora não podem alegar inocência nem eles nem a multinacional, pois todos sabiam que havia um processo em andamento na justiça federal. Desta vez a ética e a lei prevaleceram à sedução do capital e do tal crescimento econômico.
Salvou-se a Amazônia? Nem tanto. Muita degradação ambiental está feita. Mas essa paralisação do poder econômico estrangeiro, acostumado a invadir países pobres com a conivência de poderes corruptos para se enriquecer mais, agora tem um aviso de que há pessoas e grupos organizados na sociedade com consciência de sua dignidade. E que as lutas por pequenas que sejam podem ajudar a mudar o mundo.

Pe. Edilberto Sena é diretor da Rádio Educadora de Santarém e integra a Frente de Defesa da Amazônia.