09 abril 2007

Siderurgia em Carajás - 20 anos de destruição

Já no século VII tem-se registro da atividade de siderurgia no mundo. No século XIX, a indústria impulsionou a economia dos Estados Unidos. No Brasil a atividade ganha relevância no início dos anos de 1930, tempos de Getúlio Vargas. A atividade que carrega em sua canga o cavaleiro da destruição aporta no Pará nos anos 1980, através do Programa Grande Carajás (PGC), ao apagar da ditadura militar.
Em resumo o PGC foi um pacote de saque aos recursos naturais da Amazônia, em particular no Pará. Além da exploração da reserva mineral de Carajás, ergueu a hidrelétrica de Tucuruí, para produzir energia quase de graça para as empresas estrangeiras e nacionais da produção de alumínio. Rasgou a floresta com uma ferrovia que leva minério do Pará até o porto do Itaqui, em São Luís , Maranhão, de onde atravessa mares até chegar aos países mais ricos. No pacote tinha ainda a exploração da floresta através de madeireiras e a instalação de siderurgias. No lugar da mata destruída foi plantada uma de eucalipto lá nas bandas do Maranhão.
Tudo financiado pelo Estado. Empresas nacionais e estrangeiras viveram um mar de rosas. 20 anos passados o saldo que se tem é a destruição da floresta, poluição de igarapés e rios. A região é a que mais tem registro de trabalhadores em condição de escravos no país, nunca se matou tanto dirigente como naquela época. A região é conhecida dentro e fora do país por conta disso.

O começo da destruição
O Conselho Deliberativo do PGC aprovou 22 projetos em diferentes atividades entre os anos 1984 até 1988. Além dos 22, mais 08 projetos estavam em avaliação. No pacote a maioria aprovada era para a produção de ferro-gusa e ferro-liga, nos Estados do Pará e Maranhão, ao longo da ferrovia.
Até 1988 quatro siderúrgicas foram implantadas. Duas em Açailândia (MA), Viena Siderúrgica e Cia. Vale do Pindaré; e duas em Marabá (PA), COSIPAR – Companhia Siderúrgica do Pará e SIMARA – Siderúrgica Marabá. Atualmente são 14, sendo 08 no Pará e 06 no Maranhão. Todas produzindo ferro-gusa.

O lixo da siderurgia e a destruição da floresta
A produção siderúrgica é uma máquina de fazer lixo. A produção de ferro-gusa produz lixo sólido, líquido e gasoso. Sem um destino adequado funcionam como uma fonte de poluição do solo, da água e do ar. Como ocorre em sua maioria em Carajás. Os principais poluentes são: sólidos em suspensão; cianeto; fenol; amônia; óleos; graxas; escória do alto forno; finos de carvão; lama de lavagem de gases; e pó de balão. Estes poluentes podem provocar intoxicação, problemas circulatórios e respiratórios, e outros muito mais graves.
É o carvão vegetal que aquece os alto-fornos das siderúrgicas, para que ocorra o processo de redução, que transforma o minério bruto em gusa. 100% do carvão tem origem na mata nativa em quase sua totalidade ilegal. Resíduos de serrarias também ajudam. Para a produção de uma tonelada de ferro gusa a proporção aproximada é de uma tonelada de carvão.
A produção de carvão teve inicio nas proximidades dos distritos industriais, em áreas de floresta adquiridas pelas siderúrgicas ou por terceiros que produziam e vendiam o carvão. Posteriormente espalhou-se para um raio de até 200 Km do eixo do corredor da ferrovia. Atualmente ajuda a destruir o cerrado a oeste e sul do Maranhão.
A produção de carvão era feita por famílias de trabalhadores trazidas dos Estados de Espírito Santo e Bahia. Entre adultos e crianças, todos trabalhavam na condição análoga a escravo. Hoje ainda existe esta condição, como também a de exploração da mão-de-obra e degradação da mata de agricultores. “Rabo quente” é o apelido dos fornos onde a floresta é queimada. No setor de carvão é raro encontrar algum trabalhador com carteira assinada.

Destruição em número
Em 2005 o consumo de carvão vegetal pelas siderúrgicas do Pólo Carajás (Pará e Maranhão) foi em torno de três milhões de toneladas. Segundo o IBAMA seriam necessários 550.000 hectares de floresta para gerar o volume de carvão consumido pelas siderúrgicas.
As empresas nunca obedeceram às leis ambientais as quais se submetiam para terem acesso aos incentivos ficais e para receberem a Licença de Operação. É tanto que a COSIPAR, depois de cinco anos de operação (1993), foi cobrada pelo Ministério Público Federal, através de AÇÃO CÍVEL PÚBLICA, para adequar-se ao cumprimento da Lei.
O MPF requereu a concessão de medida liminar, “para que seja conferido prazo de trinta (30) dias à empresa Ré para obter a aprovação de seu Plano Integrado Floresta Indústria – PIFI, junto ao IBAMA, bem assim, proveja a necessária Licença Ambiental perante o órgão estadual competente – Secretaria Estadual de Meio Ambiente, onde também se encontra deficitária.”
Em 2005, o IBAMA realizou inspeção nas siderúrgicas do Pará e Maranhão. As informações prestadas pelos representantes das siderúrgicas foram cheias de contradições, principalmente quando se trata de números.
Uma delas é quando trata de resíduos de serrarias, cita o relatório: “No ano de 2004 seriam então necessários 22.171.947,80 metros cúbicos de toras para produzir o carvão de resíduos informado para aquele ano. Segundo dados do IBGE a produção nacional de toras para serrarias girou no mesmo ano em torno de 26 milhões, sendo que o Estado do Pará, o maior produtor de toras, teria contribuído com cerca de 11 milhões”.
As siderúrgicas foram multadas em R$ 550 milhões, que poderia chegara a até R$ 770 milhões, se fosse aplicado o que rege o Código Floresta e a Lei de Crime Ambiental. Hoje, só no Distrito Industrial de Marabá estão em funcionamento oito siderúrgicas, perfazendo um total de 17 alto fornos, para uma produção de quase três milhões de toneladas de ferro-gusa. Existem mais três a entrarem em funcionamento até o meio do ano, com mais 4 alto fornos.
Quem tem pago a conta em todos os sentidos são os nativos. As populações tradicionais, os povos indígenas, os agricultores, pela expansão do desmatamento, pela falta de políticas de reforma agrária e pela inoperância dos órgãos públicos para fazer cumprir as leis. O problema deixa de ser apenas dos diretamente ou mais afetados e passa a ser de toda a sociedade, porque somos todos nós que pagamos o preço da destruição à medida que somos atingidos pela poluição em geral, exaustão dos recursos naturais e o aquecimento global.
São vários os estudos que comprovam o caráter de destruição do meio ambiente pelas siderurgias em Carajás. O mesmo já ocorreu num dos principais pólos do país, no Vale do Rio Doce, em Minas Gerias. Sem falar que não dinamiza a economia local. [...] o nível de qualificação elementar, empurra os nativos para os cargos que pagam pouco.

Raimundo Gomes da Cruz Neto é agrônomo e cientista social (Marabá/PA)