Nós moradores de Porto Velho e de todo Estado de Rondônia denunciamos a tentativa do governo brasileiro, associado a grandes construtoras e transnacionais do setor elétrico, de licenciar de forma irregular e inescrupulosa duas mega-hidroelétricas no maior tributário do rio Amazonas, o rio Madeira.
O rio Madeira é um rio de formação recente que sequer tem um leito definido. De sua nascente à sua foz, há um desnível de aproximadamente 65 metros. São pelo menos 20 trechos de corredeiras, tombos e cachoeiras no seu alto curso que sustentam um regime hidrológico complexo e delicado. A alteração da dinâmica do rio e da bacia com a construção das barragens pode acarretar níveis imprevisíveis de alagamento, de assoreamento e de erosão.
A construção de usinas em Santo Antonio e Jirau afetaria de forma irreversível a biodiversidade regional, especialmente a relativa aos peixes, comprometendo a atividade pesqueira em toda a bacia do Madeira. Grandes áreas de vegetação densa seriam alagadas permanentemente por essas barragens, criando condições propícias para a emissão de gases estufa, para a multiplicação dos vetores da malária e para a contaminação por mercúrio. A qualidade da água para fins de abastecimento urbano também seria afetada por tempo indeterminado. É inaceitável que o risco de vida da população de Porto Velho e de Rondônia paguem os riscos financeiros do empreendimento.
A cidade de Porto Velho se tornaria um apêndice, uma parte acessória dessas gigantescas obras, em detrimento de sua memória e identidade, incluindo a inundação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – E.F.M.M., e da Vila de Santo Antônio, marcos históricos do processo de ocupação da região. Prevê-se que mais de 100 mil pessoas afluiriam para o município nos próximos quatro anos por conta dessas obras. Menos de 2% da cidade de Porto Velho tem saneamento básico. A rede hospitalar pública é incapaz de atender minimamente a população hoje residente. Os índices de desemprego e de criminalidade estão entre os maiores entre as capitais de estado. Junto com as usinas viriam mais caos urbano, mais crime, mais violência e corrupção. Estudos de impacto de vizinhança que produzissem indicadores para o adequado planejamento urbano não foram realizados, e nem há previsão para tanto.
Denunciamos governantes e representantes parlamentares que resolveram se tornar empregados e porta-vozes das empresas e bancos patrocinadores das usinas, em flagrante prática de abuso de autoridade e de improbidade administrativa, durante a condução do licenciamento do projeto das usinas de Santo Antonio e Jirau.
Denunciamos o uso da máquina pública para fins particulares pelo Governo do Estado, pela Prefeitura Municipal, bem como pelos legislativos municipal, estadual e federal. Recursos essenciais para a população estão sendo desviados para abastecer uma milionária campanha publicitária a favor das obras. O Poder Público deveria antes de tudo procurar informar a população e exigir reais esclarecimentos dos empreendedores. Os três níveis de governo deveriam ter garantido um amplo debate social e técnico sobre o projeto, com a convocação de painéis de especialistas e de audiências públicas, para que todas as dúvidas, falhas e lacunas nos estudos apresentados pudessem ter sido discutidas amplamente.
Por tudo isso e em nome de nossas vidas e das nossas futuras gerações, exigimos o cancelamento do licenciamento do projeto das usinas Santo Antonio e Jirau, com base no parecer técnico do Ibama que atestou sua completa inviabilidade.
Comunidade da Cachoeira de Santo Antônio, Associação de Pescadores de São Carlos, Movimentos dos Atingidos por Barragens – Rondônia, Via Campesina - Rondônia, Associação Arirambas, Associação dos Amigos da Estrada de Ferro Madeira - Mamoré, Faculdade Católica de Rondônia, Comissão de Justiça e Paz - Arquidiocese de Porto Velho, Comissão de Justiça e Paz – Zona leste, Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior - ANDES – SN - Regional Norte 1, Fórum Independente Popular do Madeira - FIPM