24 junho 2007

Carta ao povo brasileiro e à comunidade internacional

Nós moradores de Porto Velho e de todo Estado de Rondônia denunciamos a tentativa do governo brasileiro, associado a grandes construtoras e transnacionais do setor elétrico, de licenciar de forma irregular e inescrupulosa duas mega-hidroelétricas no maior tributário do rio Amazonas, o rio Madeira.
O rio Madeira é um rio de formação recente que sequer tem um leito definido. De sua nascente à sua foz, há um desnível de aproximadamente 65 metros. São pelo menos 20 trechos de corredeiras, tombos e cachoeiras no seu alto curso que sustentam um regime hidrológico complexo e delicado. A alteração da dinâmica do rio e da bacia com a construção das barragens pode acarretar níveis imprevisíveis de alagamento, de assoreamento e de erosão.
A construção de usinas em Santo Antonio e Jirau afetaria de forma irreversível a biodiversidade regional, especialmente a relativa aos peixes, comprometendo a atividade pesqueira em toda a bacia do Madeira. Grandes áreas de vegetação densa seriam alagadas permanentemente por essas barragens, criando condições propícias para a emissão de gases estufa, para a multiplicação dos vetores da malária e para a contaminação por mercúrio. A qualidade da água para fins de abastecimento urbano também seria afetada por tempo indeterminado. É inaceitável que o risco de vida da população de Porto Velho e de Rondônia paguem os riscos financeiros do empreendimento.
A cidade de Porto Velho se tornaria um apêndice, uma parte acessória dessas gigantescas obras, em detrimento de sua memória e identidade, incluindo a inundação da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré – E.F.M.M., e da Vila de Santo Antônio, marcos históricos do processo de ocupação da região. Prevê-se que mais de 100 mil pessoas afluiriam para o município nos próximos quatro anos por conta dessas obras. Menos de 2% da cidade de Porto Velho tem saneamento básico. A rede hospitalar pública é incapaz de atender minimamente a população hoje residente. Os índices de desemprego e de criminalidade estão entre os maiores entre as capitais de estado. Junto com as usinas viriam mais caos urbano, mais crime, mais violência e corrupção. Estudos de impacto de vizinhança que produzissem indicadores para o adequado planejamento urbano não foram realizados, e nem há previsão para tanto.
Denunciamos governantes e representantes parlamentares que resolveram se tornar empregados e porta-vozes das empresas e bancos patrocinadores das usinas, em flagrante prática de abuso de autoridade e de improbidade administrativa, durante a condução do licenciamento do projeto das usinas de Santo Antonio e Jirau.
Denunciamos o uso da máquina pública para fins particulares pelo Governo do Estado, pela Prefeitura Municipal, bem como pelos legislativos municipal, estadual e federal. Recursos essenciais para a população estão sendo desviados para abastecer uma milionária campanha publicitária a favor das obras. O Poder Público deveria antes de tudo procurar informar a população e exigir reais esclarecimentos dos empreendedores. Os três níveis de governo deveriam ter garantido um amplo debate social e técnico sobre o projeto, com a convocação de painéis de especialistas e de audiências públicas, para que todas as dúvidas, falhas e lacunas nos estudos apresentados pudessem ter sido discutidas amplamente.
Por tudo isso e em nome de nossas vidas e das nossas futuras gerações, exigimos o cancelamento do licenciamento do projeto das usinas Santo Antonio e Jirau, com base no parecer técnico do Ibama que atestou sua completa inviabilidade.

Comunidade de Santo Antonio, cidade de Porto Velho, Estado de Rondônia, 13 de junho de 2007.

Assinam esta carta:
Comunidade da Cachoeira de Santo Antônio, Associação de Pescadores de São Carlos, Movimentos dos Atingidos por Barragens – Rondônia, Via Campesina - Rondônia, Associação Arirambas, Associação dos Amigos da Estrada de Ferro Madeira - Mamoré, Faculdade Católica de Rondônia, Comissão de Justiça e Paz - Arquidiocese de Porto Velho, Comissão de Justiça e Paz – Zona leste, Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior - ANDES – SN - Regional Norte 1, Fórum Independente Popular do Madeira - FIPM