05 junho 2007

Governo finaliza projeto de mineração em área indígena (Parte II)

O texto [do projeto] mexe numa questão delicada para muitas companhias: desconsidera a validade de requerimentos de pesquisa ou lavra em terras indígenas encaminhados por elas ao longo de anos ao Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão do Ministério das Minas e Energia. Os projetos anteriores previam que as empresas que apresentaram requerimentos antes de 1988 teriam prioridade. Agora, o governo diz que abertura de licitações colocará todas as empresas em condições de igualdade. Pelo levantamento do ISA, dos 4.821 requerimentos feitos ao DNPM, 1.835 são de antes da Constituição.
Segundo dados de 1998, também recolhidos pelo ISA, algumas terras indígenas têm quase toda sua área já requerida por mineradoras. Exemplos: TI Mekragnoti, no Pará, (75,97%), Vale Guaporé, em Rondônia, (92,39%) e Panará, no Pará e Mato Grosso (92,81%).
"Certamente haverá muitas disputas jurídicas sobre esse ponto. Há quem diga que o requerimento é mera expectativa de direito. E há quem diga que os requerimentos devem gerar o direito de prioridade", diz o advogado Carlos Vilhena, sócio do escritório Pinheiro Neto e responsável pela área de mineração.
Mas se as licitações e a anulação dos requerimentos desagrada a alguns, agrada a outros. Empresas novatas no Brasil, como a Aura Gold, há apenas um ano aqui, costumam ter de negociar transferências de concessão de exploração dada a escassez de terra disponível. "É um recurso investido em negócio e não em pesquisa. A disponibilização de terras indígenas aumentaria a possibilidade de pesquisa e levaria a uma corrida das empresas para as áreas dos índios", aposta Carlos Bertoni, da Aura Gold, que explora ouro na região de Cumaru, Pará. Bertoni diz que a empresa se interessa em explorar uma terra indígena vizinha e faz as contas. "Se tivéssemos a chance de fazer pesquisa, o investimento inicial seria de US$ 2 milhões a US$ 3 milhões só nessa área indígena vizinha, que tem aproximadamente 30 mil hectares."
As mineradoras costumam insistir na questão dos investimentos. "A proibição de acesso às terras indígenas impede o capital sério", diz Sérgio Aquino, diretor da Serabi Mineração. "O problema é que em qualquer lugar onde tenha riqueza natural há garimpeiro que quer lucrar de qualquer forma, poluindo, agredindo, corrompendo os índios". A Serabi, que extrai ouro e cobre na região do Tapajós, também no Pará, tem interesse no potencial mineratório das terras dos índios Tapajós e dos índios que vivem na região de Aripuanã, no Mato Grosso e fala em disputar o acesso a essas terras numa eventual regulamentação da atividade. A diferença das empresas, completa Aquino, é que estão sempre mais sujeitas a fiscalizações e controle do que qualquer garimpeiro que se aventure em terras indígenas em busca de riquezas.
Para além do investimento, o que está em jogo para Cláudio Scliar, secretário de mineração e geologia do DNPM, é a condição de vida dos índios. "Neste momento, mineração (em terra indígena) é caso de polícia. O que existe é invasão, garimpo ilegal, crimes." Scliar contesta quem argumenta que a presença das empresas poderá trazer mais problemas do que soluções aos povos indígenas. "Nada pode ser pior do que a situação que se vive hoje. Qualquer forma de regularização será melhor."

Paranapanema paga R$ 1,4 milhão para tribo no Amazonas - Todos os dias, caminhões da mineradora Paranapanema cruzam os 60 km de estrada de terra que cortam a terras dos índios waimiri-atroari no Estado do Amazonas. São pelo menos três carretas que entram e saem da mina de Pitinga, onde a Mineradora Taboca, subsidiária da Paranapanema, extrai 10 mil toneladas de estanho por ano.
A estrada dá acesso a uma rodovia federal, que liga Manaus a Boa Vista e serve de canal para o escoamento do estanho exportado pela empresa para EUA, Europa e para a América do Sul.
A passagem pelas terras indígenas tem um custo: 0,5% do faturamento da empresa com a extração do minério. Este ano, o mínimo previsto é de R$ 1,44 milhão, segundo a assessoria de imprensa da empresa. O pagamento é fruto de um acordo com os índios.
A mineradora diz explorar terras devolutas da União sobre as quais tem a concessão do direito de lavra. A área é uma ilha entre terras demarcadas. A oeste e norte, estão os waimiri-atroati; a nordeste, os índios mapuera; e a sul uma reserva biológica. A Paranapanema não tem dúvidas de que as terras indígenas vizinhas também são ricas em estanho. Mas afirma não ter interesse em disputar uma eventual licitação caso a mineração em terras indígenas seja mesmo regulamentada pelo governo. O motivo seria a distância entre os aluviões indígenas e o centro de processamento da empresa. Hoje a empresa explora rochas primárias a dois quilômetros de sua base industrial. A distância para os aluviões dos índios é muito maior e não compensaria, diz a empresa.
A Paranapanema descreve a relação com as lideranças waimiri e mapuera como "muito boa", diferentemente do que ocorre com algumas mineradoras, como a Vale [do Rio Doce], que periodicamente enfrenta a animosidade dos índios xikrin, vizinhos a pelo menos dois grandes projetos da empresa no Pará, Carajás e Sossego.
Os waimiri e os mapuera, por exemplo, informam a mineradora sobre eventuais tentativas de invasão de garimpeiros e recebem volta e meia ajuda de máquinas e mão-de-obra da empresa.
Mesmo assim, há uma tensão latente no ar. Lideranças indígenas reivindicam as terras exploradas pela Paranapanema como deles. A briga é com a União e já teria chegado ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Empresas vão estragar terra, diz líder ianomâmi - "A mineração em área indígena não é bom. Sou contra. As máquinas são muito grandes. Vai estragar o coração da terra. Vai derrubar muitas florestas, poluir rio, trazer violência, matança". Foi assim que Davi Ianomâmi, de 58 anos, um dos líderes do povo que vive no norte da Amazônia brasileira na fronteira com a Venezuela definiu para a reportagem sua posição em relação à abertura das terras indígenas para as mineradoras.
As terras dos ianomâmi são ricas em ouro. E segundo Davi, hoje existem cerca de mil garimpeiros na área. O afluxo teria começado há cinco anos e a malária parece ter voltado às aldeias. "O governo não está conseguindo tirar os garimpeiros de lá", disse ele.
Mas será que os royalties não ajudariam o povo ianomâmi? Davi - que estava em Brasília para uma série de atividades do Dia do Índio - respondeu: "Precisamos da nossa terra, da caça, do rio. O dinheiro não dura. O índio da cidade pode gostar. (Mas) o dinheiro não vai salvar a vida dos índios."
A reação de Davi coincide com a de fóruns e organizações indígenas, segundo Raul Telles, advogado do Instituto Socioambiental (ISA). O temor, de modo geral, é com os prejuízos ambientais, sociais e sanitários que a exploração causaria. O ISA também tem grandes restrições à entrada de mineradoras em terras indígenas. "A mineração é sempre impactante."
Ainda assim, Telles avalia que o projeto do governo - cujo esboço foi apresentado no ano passado na Conferência dos Povos Indígenas e será debatido em junho - tem alguns avanços. Um deles é o fato de anular as antigas requisições feitas pelas mineradoras. As licitações poderiam abrir espaço para as melhores propostas, diz o advogado.
Mas ele também avalia que existem pontos a serem melhorados na proposta. O texto, por exemplo, não confere aos povos indígenas o direito de dizer se aceitam ou não a entrada das mineradoras. A Constituição prega que os povos devem ser consultados, mas não fala em poder de veto. "Não é a questão de permitir que os índios digam 'não', mas seria importante que o projeto permitisse a eles dizerem 'como' minerar tal área." E acrescenta: "Se há alguma restrição em relação a, por exemplo, uma área sagrada de um povo, as mineradoras não poderiam atuar nesse ponto."

Marcos de Moura e Souza
Fonte: http://www.ecodebate.com.br/Principal_vis.asp?cod=5391&cat (matéria originalmente publicada pelo Valor Econômico - 31/05/2007)