Apesar da impaciência de setores do governo, é provável que a licença ambiental das hidrelétricas Santo Antonio e Jirau, no rio Madeira, em Rondônia, não saia também em junho. Em evento promovido pela Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) no último dia 15, o ministro interino de Minas Energia, Nelson Hubner, tinha afirmado que até final do mês o licenciamento prévio seria liberado pelo Ibama. Problemas com a complementação ao Estudo de Impacto Ambiental, pedido pelo órgão às empreendedoras Furnas e Odebrecht, no entanto, podem atrasar o processo, apesar de o Ibama não se pronunciar sobre o assunto.
Na análise dos estudos ambientais complementares das hidrelétricas, publicada na página do Ibama no último da 21, o hidrólogo Carlos Tucci, pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e contratado pelo órgão para avaliar as respostas de Furnas, apontou uma série de poréns em todos os itens postos.
Grosso modo, Tucci afirma que “torna-se necessário examinar a tendência evolutiva da bacia hidrográfica quanto à produção de sedimentos”, sobre sedimentação; sobre o assoreamento do rio, o pesquisador vê “incerteza do prognóstico”, e sugere estudos posteriores “mais precisos que os atuais antes de entrar em operação a Usina”; “o exame da distribuição dos sedimentos nos dois reservatórios deve ser aprimorado quanto aos resultados atualmente existentes”, continua; e ainda: “a avaliação das condições à jusante ainda é limitada; mesmo que os impactos potenciais esperados sejam pequenos, é necessário um exame técnico mais completo sobre o assunto”, sendo que “estudos específicos devem ser realizados no projeto para mitigar os impactos potenciais” sobre este ponto e sobre a sedimentação. Por fim, ele recomenda que “as fases seguintes deste projeto sejam acompanhadas por um painel de especialistas com reconhecido conhecimento”.
De acordo com o coordenador da ONG International Rivers Network para a América Latina, Glenn Switkes, fato é que as respostas complementares aos questionamentos do Ibama, elaborados por Furnas e Odebrecht - e às quais teve acesso -, são insípidas e não poderiam ser aceitas como saneamento das pendências ambientais. Nesse sentido, caso os aspectos técnicos sejam de alguma forma ignorados e a licença ambiental seja concedida, o Ministério Público Federal deverá acionar o Ibama judicialmente, adverte Switkes, hipótese também levantada pelos técnicos do órgão.
Peixes
No início desta semana, a Sociedade Brasileira de Ictiologia divulgou um manifesto no qual reafirma a importância da conservação dos grandes bagres do Madeira.
“Nos últimos meses, a mídia vem dando publicidade ao fato de que um bagre foi eleito como pivô de um suposto conflito de interesses entre setores do Governo (...). É importante frisar que o citado bagre – a dourada (Brachyplatystoma rousseauxii) – é uma espécie de grande importância comercial na região amazônica, destacando-se os Estados do Pará, Amapá, Amazonas e Rondônia, no Brasil, e extensas regiões da Colômbia, Bolívia, e Peru. (...) Cardumes desses bagres migram anualmente da Amazônia Oriental para a Ocidental, percorrendo ao todo uma distância de 4 a 5 mil quilômetros. No rio Madeira, os cardumes levam de quatro a cinco meses para percorrer 3.100 km anualmente, distância do estuário do Amazonas às cachoeiras de Teotônio (situadas nas proximidades de Porto Velho, RO). (...) Deste modo, as alterações ambientais e a interposição de barreiras aos movimentos migratórios decorrentes da construção de barragens colocam em risco a sobrevivência das populações de grandes bagres migradores no rio Madeira”, diz o manifesto.
E conclui: “Finalmente, deve-se ter sempre em mente que a imensa diversidade biológica da região amazônica é de uma natureza frágil, e representa uma importante vitrine nacional aos olhos do mundo. Danos à natureza dessa região, e especialmente quando envolvem recursos naturais utilizados por mais de uma nação, podem se transformar rapidamente em uma crise de visibilidade mundial, prejudicando a imagem do Brasil”.
Segundo o pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi, Ronaldo Barthem, um dos mais respeitados especialistas em ictiofauna do país, a proposta de construção de um canal que correria lateralmente ao rio e permitiria o livre trânsito dos peixes poderia ser uma solução, mas o projeto teria que ser muito bem estudado para não criar problemas ainda maiores.
“O canal pode resolver, mas tem que ser perfeito - quem subia, tem que subir, quem não subia, não pode subir, e todos os peixes têm que descer. O perigo do canal é que espécies que não migravam passem a migrar, causando assim a introdução de peixes exóticos em ambientes onde seu impacto é imprevisível. Como não ha experiência compatível, o canal será uma grande incógnita”, pondera Barthem.
Já Glenn Switkes é pessimista. “Eles [Furnas e Odebrecht] dizem que vão construir um canal. O problema é que os peixes estão no rio, e a maior parte da água, da vazão, precisa passar pelas turbinas das usinas para gerar energia. Como garantir que principalmente os alevinos não serão sugados para dentro das turbinas? Alguns devem sobreviver, a maioria deverá ser triturada”.
Bolívia
A preocupação de Barthem com o impacto das hidrelétricas sobre a migração dos peixes que sobem para a Bolívia e a possibilidade de uma crise entre os dois países faz sentido. Na última semana, durante um evento que reuniu organizações e movimentos sociais indígenas, de agricultores e ambientalistas – o Primeiro Fórum Amazônico, realizado na cidade amazônica de Guayaramerín -, o presidente Evo Morales teria rechaçado, segundo a imprensa oficial do governo, “a intenção do governo brasileiro de construir mega-represas no rio Madeira, que poriam em risco a integridade ambiental e social de grande parte da Amazônia boliviana”.
No início de 2006, a denúncia de que as usinas do Madeira deverão impactar no país vizinho geraram protestos de organizações sociais da Bolívia. Em setembro, o governo boliviano solicitou oficialmente informações sobre o Complexo Madeira ao governo brasileiro, e em fevereiro deste ano, na visita do presidente Evo Morales ao país, o tema voltou a ser pauta. De lá pra cá, ambos os governos evitaram falar no assunto. Segundo fontes do governo boliviano, a questão estaria sendo vista como extremamente delicada, mas as declarações de Morales este mês revelam um endurecimento da posição boliviana, que terá que ser considerado pelo Brasil.
Fonte: http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14418