'Com certeza os resíduos químicos também vazaram junto com o caulim in natura', garantiu. Ontem mesmo, antes dos laudos da perícia sobre a possível contaminação das águas, pescadores já começaram a encontrar peixes, como o tuí e o mandií, comuns na região, mortos dentro dos igarapés Dendê e Curuperé.
As suspeitas sobre o vazamento de resíduos químicos também estão em um alerta do Relatório de Fiscalização nº 116/2007 da Divisão de Substâncias Perigosas (Disup) da Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam), onde os técnicos afirmam que as bacias 1 e 2, onde estão depositados rejeitos magnéticos e caulínicos, já estão em fase de exaustão há pelo menos três meses, segundo o 'Parecer Técnico' nº 15/2007 da Divisão de Mineração e Águas (Dimina), também da Sectam. Os rejeitos caulínicos passam por duas fases de tratamento. Na segunda fase saem rejeitos bastante ácidos por causa dos produtos químicos usados para beneficiamento do caulim, como a soda cáustica, e que, segundo a denúncia, acabariam atingindo o igarapé Curuperé.
O relatório e o parecer técnico foram feitos depois de uma inspeção da Sectam ainda na primeira quizena de março deste ano, quando foi recomendada à empresa mineradora buscar solução ao problema para a devida renovação da Licença de Operação da fábrica, que ainda está sendo analisada. A assessoria da Imerys nega desde segunda-feira qualquer tipo de vazamento de resíduo químico junto com o caulim.
A promotora de Justiça de Meio Ambiente de Barcarena, Patrícia de Fátima de Carvalho Araújo, em exercício na 1ª Promotoria, acompanhou de perto ontem a coleta de amostras de resíduos das três bacias da Imerys feita por pesquisadores do Instituto Evandro Chagas (IEC), que estão muito preocupados com a saúde da comunidade, e a perícia do Núcleo de Engenharia do Centro de Perícia Científica Renato Chaves (CPCRC). Ela vai aguardar os laudos para confirmar a denúncia de vazamento de resíduos químicos e se há riscos de novos rompimentos. 'Queremos saber a dimensão dos danos ambientais, se há riscos futuros, mas a nossa grande preocupação é com os danos sociais', disse ela, às margens do igarapé Dendê.
Iceberg
O levantamento feito pelo Centro de Perícias Científicas Renato Chaves já constatou a extensão dos impactos causados ao meio ambiente, com praias impróprias para o banho. Com o vazamento, a água dos igarapés da região ficou branca. A mancha de cor branca tem cerca de 8 quilômetros de extensão com cerca de um quilômetro de largura. Passa por localidades como vila do Conde, Itupanema e Caripi.
Até o momento, os peritos não constataram mortandade de peixes nos rios da região. Eles coletaram amostras para exames físico-químicos, cujos laudos devem ser emitidos no prazo máximo de vinte dias. Para o delegado Marcos Lemos, o que se pode perceber na região, no momento, é apenas 'a ponta do iceberg'.
'A poluição é mais intensa do que se imagina. O que se pode visualizar, no momento, é a contaminação da água e das plantas, mas não dá para dizer em curto prazo o tamanho do dano', afirmou Lemos.
Defesa Civil remaneja doze famílias das margens do igarapé Dendê
O vazamento de caulim que aconteceu desde domingo e poluiu grande parte da área onde pescadores e moradores ainda sobrevivem usando os igarapés para pescar e a água para uso doméstico, obrigou que outras famílias fossem remanejadas. Do bairro Industrial, bem ao lado da bacia 3 que vazou, mais 12 famílias foram retiradas de suas casas e levadas para o Centro Educacional Maurício Guida, em Vila do Conde, onde já estavam 73 pessoas, a maioria crianças pequenas.
Os moradores da Ilha de São João também foram obrigados a deixar suas casas por falta de condições e de água para uso doméstico. Ontem à tarde, 12 das 15 famílias que vivem às margens do igarapé Dendê foram retiradas pela Defesa Civil e levadas para a Creche Sítio do Pica-Pau, também na vila. As três famílias que ficaram se recusaram a sair do local porque estão desoladas e com medo de terem seus barcos e suas casas roubados.
A maior preocupação do pescador Emercindo Andrade dos Anjos, que, junto com os outros, ficou sem trabalho, é com seus quatro filhos. Dois deles foram para a creche com familiares e dois ficaram com ele e a esposa, dona Maria Madalena de Souza Vasconcelos. ' A situação é muito crítica: o vazamento de caulim afetou a vida da gente', lamenta seu Emercindo. Para ela, que está acostumada a ver o marido chegar com dois ou três quilos de camarão pescados em uma única noite, ver a família separada e o marido sem trabalho por causa da poluição do igarapé Dendê é um grande sofrimento. 'Eles pensam que a gente só precisa de água mineral e cesta básica? Precisamos da água, da pesca, de viver do nosso trabalho. Quem vai pagar nossas contas?', desabafou.
Depoimentos
Hoje pela manhã será realizada nova vistoria nas três bacias da fábrica de beneficiamento de caulim da Imerys, por técnicos da Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam), do Corpo de Bombeiros Militares do Pará (CBPM) e da Defesa Civil para verificar se não há mais vazamentos e nem risco de novo rompimento das paredes dos depósitos. A vistoria será acompanhada pelo Ministério Público.
Na Delegacia Estadual de Meio Ambiente, em Belém, começam os depoimentos de representantes da empresa, técnicos, peritos e moradores que tiveram suas áreas atingidas pelo vazamento de caulim. Além da expectativa para esclarecer as causas do acidente, a Polícia também quer realmente descobrir se há produtos químicos junto com todo o mineral que vazou e poluiu grande parte da bacia hidrográfica de Barcarena.
Fonte: Jornal “O Liberal”, Caderno Atualidades - Edição: Ano LXI - Nº 31.781 (Belém, Sexta-feira, 15/06/2007)