29 junho 2007

Transamazônica – integração e desenvolvimento: um campo profícuo para as religiões

Na década de setenta, a Amazônia brasileira por suas vastas dimensões, somando-se ao potencial de recursos naturais e minerais desponta como uma alternativa para a política de modernização e desenvolvimento econômico do Brasil. O Governo Federal investiu num programa de ocupação e distribuição de terras na região amazônica, visando ocupar os seus espaços “vazios” com trabalhadores de outras regiões do país, que viviam nas cidades em precárias condições sociais ou trabalhavam no campo em terras de terceiros, sem que tivessem qualquer expectativa de melhorar suas condições de vida. Com este fim implantou um projeto de “colonização” (1) que tinha como eixo a abertura da rodovia Transamazônica no sentido leste-oeste, o que possibilitaria a integração e o desenvolvimento dessa região interligando-a ao restante do país (2).

A abertura da rodovia Transamazônica e o projeto de colonização governamental foram amplamente divulgados por todos os meios de comunicação da época, impulsionando assim, a migração de milhares de familias para a região norte do país, sobretudo, para o estado do Pará que é cortado por essa rodovia no sentido leste e oeste.
O “projeto modelo de colonização” sistematizado e implementado de acordo com os interesses politicos/econômicos e, condicionado à idéia de Integração e Desenvolvimento da região e do país, revelava sua face capitalista tal como discute Max Weber. No controle metódico e funcional sobre o homem, repousa sorrateiramente alguns pressupostos do capitalismo
(3).
A discussão Weberiana será articulada com as concepções racionalistas e desenvolvimentistas que subsidiaram o projeto de colonização governamental, bem como às prerrogativas e motivações das familias que migraram para essa região, na perspectiva de melhorar suas condições de vida.
Com a dita colonização espontânea aumentou significativamente a presença das igrejas evangélicas naquela região, visto que a colonização coordenada pelo Governo priorizou em princípio, a arregimentação de famílias nordestinas. A maioria dessas famílias professava uma religiosidade mística, de devoção aos santos, às crenças e supertições populares. Enfim, uma tradição religiosa característica da igreja católica e que não condiz com as doutrinas pregadas pelas Igrejas protestantes.

Neste contexto a diversidade religiosa se configura como um elemento fundamental, considerando que as principais filosofias cristãs, representadas pela Igreja Católica e pelas congregações evangélicas, têm forte relação com as familias da Transamazônica, influenciando-as nas suas formas de existência, de produção e de organização social.
Esta realidade aponta para uma análise sócio-cultural de acordo com a leitura de GEERTZ, “A Interpretação das Culturas”
(4) que mostra como os símbolos e rituais religiosos oferecem uma garantia cósmica ao homem, não apenas para sua capacidade de compreender o mundo, mas também porque o compreendendo dê precisão a seu sentimento e as sua emoções. Por isso que o homem tem uma dependência tão grande em relação aos símbolos e sistemas simbólicos, ao ponto, de serem eles decisivos para sua viabilidade como criatura. p.114.
Neste sentido as trajetórias das famílias na Transamazônica revelam que num projeto de colonização não se deve levar em conta apenas os aspectos econômicos, mas também, os sistemas simbólicos e culturais que são suportes fundamentais para a existência humana. A diversidade de valores e de comportamentos não impediu que as familias migrantes construíssem os espaços sociais necessários para a fixação na terra e para o desenvolvimento da região. Através de suas experiências e práticas culturais, instituíram outras dinâmicas de trabalho e de organização social, indo de encontro a sistemática do projeto governamental e subvertendo assim, a predominante ótica capitalista.

Ivonete Coutinho é professora da UFPA (Campus de Altamira) e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, linha de pesquisa Antropologia/UFPA. Atualmente realiza estagio doutoral na Université Paris 13. Correio eletrônico: ivonet@ufpa.br

Notas:
1 - Colonização é uma categoria forjada por aqueles que planejam e realizam a ocupação de um território que, a seu ver, precisa ser integrado, controlado e desenvolvido por meio de agentes externos ao território. Partindo desta concepção, o governo nomeia o projeto de distribuição de terras na Transamazônica, e os migrantes que se instalaram nessa região se apropriaram desta categoria, denominando-se de colonos.
2 - O projeto de colonização da Transamazônica foi traçado de acordo com o Plano de Desenvolvimento da Amazônia - PDA, 1972-1974, elaborado pela SUDAM que preconizava à valorização e o desenvolvimento dessa região a partir de sua ocupação e integração econômica e social ao sudeste brasileiro.
3 - WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do Capitalismo. (texto integral). São Paulo: editora Martin Claret. Edição revisada, 2004. (trad. Pietro Nassetti).
4 - GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro. Editora Guanabara Koogan S. A. 1989.

Foto: Ivonete Coutinho (Igreja Evangélica na Transamazônica)

Obs: Este texto é um resumo do artigo original. Para receber a versão integral do mesmo (em PDF) envie mensagem para institutoamasblog@yahoo.com.br