A Reserva Extrativista do Médio Xingu é a última peça, que falta ser criada, do mosaico de áreas protegidas, que pretende resguardar a floresta da Terra do Meio, zona de intenso conflito fundiário, onde a missionária Dorothy Stang atuou e foi assassinada em 2005. Esse mosaico é composto por terras indígenas e Unidades de Conservação estaduais e federais e cobre uma área de 28 milhões de hectares, onde vive uma população de 12 mil pessoas, entre indígenas e não-indígenas. As comunidades e a preservação ambiental dessa região são ameaçadas pela pressão de grileiros e de madeireiros ilegais.
É também no rio Xingu, que está prevista a polêmica construção das hidrelétricas de Belo Monte 1 e 2, que fazem parte das obras de infra-estrutura do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.
Alexandre Cordeiro, coordenador-Geral de Gestão e Criação de Reservas Extrativistas e de Reservas de Desenvolvimento Sustentável do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), explica que o trâmite normal para criação de Unidades de Conservação federais exige estudos técnicos e avaliação jurídica do Ibama e, posteriormente, do MMA, que seguem para a análise da Casa Civil, antes da assinatura do Presidente da República. “A participação de outros ministérios se dá durante o período de consulta pública. A Casa Civil mandar processo para análise do MME é algo bastante incomum”, afirma o coordenador do Ibama.
Em entrevista à Radiobrás (10/06), Cordeiro explica que há planos de instalação de unidades de geração de energia na calha do rio Xingu. Segundo ele, essa atividade seria incompatível com a criação da resex, por isso “Minas e Energia quer analisar mais detalhadamente a proposta da reserva”.
O impasse da resex foge da alçada do Ibama, porque o trabalho técnico já foi concluído pelo órgão ambiental. “Agora é uma questão entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e a Casa Civil. Em caso de impasse político a única saída é o Ministério Público Federal”, diz Cordeiro.
“Da nossa parte, o processo foi concluído. Nós temos insistido na importância e na criação dessa reserva, que já deveria ter sido feita, porque ela é fundamental e urgente para as comunidades tradicionais e para a reprodução das suas atividades econômicas, sociais e culturais. Estamos aguardando as questões burocráticas da Casa Civil para o dia 28 de junho”, explica Maurício Mercadante, diretor do departamento de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente.
Segundo a Casa Civil, a proposta da criação da Resex do Médio Xingu e de outras Unidades de Conservação chegou ao ministério no final de maio e, por isso não foi possível concluir os estudos até a data inicial. A assessoria da Casa Civil não soube informar se as hidrelétricas interferem na criação da reserva, mas afirmou que todos os aspectos da região serão considerados e analisados pelos técnicos do ministério.
De acordo com o diretor do MMA, não há nenhuma relação entre o projeto das hidrelétricas de Belo Monte e o atraso da criação da resex. Ele explica que a categoria de reserva extrativista não impede a exploração do potencial hidrelétrico do rio. “Não haverá impacto direto na resex, mas se eventualmente houver, ele será analisado, e as medidas mitigadoras serão previstas de acordo com o licenciamento ambiental. A criação da reserva não causa nenhuma contradição e nenhum constrangimento para a construção das hidrelétricas de Belo Monte”, afirma.
As outras áreas protegidas que seriam anunciadas junto com a Resex do Médio Xingu, mas terão que passar por análise da Casa Civil são as reservas extrativistas Chapada Limpa (MA), Montanha Mangabal (PA), Baixo Rio Branco/Jauaperi (RR e AM), Médio Purus (AM), Ituxi (AM) e Acaú-Goiana (PB e PE). De acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), os Parques Nacionais do Mapinguari e do Lago Jarí (AM) e as Reservas de Vida Silvestre do Rio Tibagi (PR), do Una e do Rio dos Frades (BA) também estariam na fila de espera do ministério.
Sociedade civil
Entidades da sociedade civil reafirmam a necessidade e a urgência da Resex do Médio Xingu para garantir as condições ambientais e a sobrevivência das comunidades tradicionais. “A resex é fundamental para que esse território seja minimamente preservado e para que os ribeirinhos possam ficar livres da pressão da grilagem. Ela é a garantia para as populações tradicionais continuarem vivendo ali”, avalia Cristina Velásquez, assessora de políticas públicas do ISA. Ela afirma que o retorno das madeireiras e dos grileiros à região é um risco iminente.
“Foi feita uma promessa pública por parte do governo de que a Resex do Médio Xingu seria criada. Essa é uma prioridade para o Ministério do Meio Ambiente, mas que se conflita com os interesses de outros ministérios”, diz a assessora do ISA. Para ela, as demandas e outros projetos do PAC devem ser apresentados com maior clareza. “É preciso saber como outras iniciativas [da área ambiental] previstas anteriormente vão dialogar com as obras de infra-estrutura do PAC daqui pra frente”, diz.
Para Ana Paula Souza, coordenadora da Fundação Viver Produzir Preservar (FVPP) de Altamira (PA), há uma outra questão também não contemplada: apesar de o reconhecimento legal dessas áreas de preservação ser importante, não é suficiente para alcançar os objetivos socioambientais, já que a gestão e as condições das comunidades em reservas já existentes deixam muito a desejar. “Não há projeto político em execução para as reservas. A vida das pessoas ali não é diferente de outros lugares em que não se há reservas”, afirma.
De acordo com o ISA, a resex do Médio Xingu também está integralmente incluída em uma área de 1.12 milhão de hectares, cuja posse é reclamada pelo grupo empresarial de engenharia de obras CR Almeida. No ano passado, a Justiça Federal chegou a determinar a saída dos funcionários da Amazônia Projetos Ecológicos, subsidiária do grupo, de toda a região, mas as comunidades locais afirmam que eles resistem em deixar o local.
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14320